São Paulo, sexta-feira, 14 de abril de 1995
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Candinho acha que Portuguesa venceu com 'reengenharia'

HUMBERTO SACCOMANDI
DA REPORTAGEM LOCAL

Contrariando precipitadas previsões iniciais, a Portuguesa desbancou as equipes consideradas favoritas e venceu o primeiro turno do Campeonato Paulista de 95.
Esse sucesso se deve à profissionalização do departamento de futebol e à mudança da mentalidade de equipe pequena, perdedora, que imperava no clube.
O maior responsável por esse salto de qualidade, técnico e administrativo, é o treinador Cândido Sotto Mayor, 50, mais conhecido como Candinho.
Ele assumiu em outubro do ano passado, quando a equipe estava mal no Brasileiro. Quase conseguiu levá-la às quartas-de-final.
Em entrevista à Folha, Candinho analisa o primeiro turno do Paulistão e explica como operou essa "revolução portuguesa".

Folha - Você esperava esse desempenho da Portuguesa?
Candinho - Não esperava ser o primeiro, mas esperava um bom trabalho e ficar entre os sete primeiros. Por dois motivos. Depois do Brasileiro, fizemos uma limpeza aqui, devolvemos vários jogadores. Formamos um grupo escolhido com cuidado.
E fizemos em janeiro uma pré-temporada, enquanto Palmeiras e outros times que prosseguiram no Brasileiro só retornaram mais tarde. Foram 15 dias, não como na Europa, onde se fazem 40 dias, mas para o Brasil está bom.
Folha - A Portuguesa é hoje um time grande?
Candinho - Estamos mudando a filosofia da Portuguesa. O clube pensava muito pequeno. Começava sabendo que não ia ganhar.
Impusemos o mesmo esquema dos grandes times. Fizemos uma avaliação fisiológica completa, o que não se fazia. Começamos a fazer um trabalho científico, como o futebol de hoje exige.
Folha - O clube hoje já tem outra mentalidade?
Candinho - Sim, está evoluindo. Aqui só se fazia exame de sangue e urina, e tudo bem. Era mentalidade de clube pequeno. Investimos dinheiro para melhorar isso.
O Flávio, por exemplo, chegou sem potência física, sem resistência. Trabalhamos desde janeiro para que ele explodisse agora.
Passamos a pagar melhor os jogadores, a dar hotel cinco estrelas, a viajar de avião fretado para o interior. Os jogadores, sentindo uma retaguarda melhor, se empenham mais, acreditam na vitória.
Folha - Você é disciplinador?
Candinho - Não permito disputa de beleza. Eu vejo em outros clubes jogadores querendo aparecer mais que outros. Aqui ninguém reclama de nada.
Eu substituí jogadores nos 15 jogos e nunca nenhum deles reclamou de ter sido substituído. Em outros clubes o jogador sai fazendo gestos, arrancando a camisa. Isso é contraproducente.
Temos que ter, como no basquete, no vôlei, um jogo coletivo. Os jogadores se adaptaram a isso.
Folha - Você costuma dizer que a Portuguesa joga um futebol operário. Os jogadores não se sentem menosprezados?
Candinho - Não, pois eles vendem essa imagem também. E eu conheço a vida deles. Sei que o Zinho era cobrador de ônibus, que o Edinho trabalhou no canavial, que o Norberto foi office-boy. Eles me contaram isso com alegria, pois estão vencendo na vida.
Folha - Você acha que esse primeiro lugar se deve também à fraqueza dos outros clubes?
Candinho - Não. Foi mérito da Portuguesa. Não é fácil ganhar do São Paulo, do Palmeiras, do Corinthians. É evidente que o segundo turno vai ser mais difícil, porque a Portuguesa vai ficar mais visada. Esses times talvez não deram muita bola para nós no primeiro turno, não marcaram direito.
Sou sincero e sei que não temos o melhor elenco. O Palmeiras tem mais jogadores de nível, assim como o São Paulo e o Corinthians. Nós somos um time mais humilde, mas todo mundo trabalha sério.
Folha - Como é ganhar um turno que não vale nada?
Candinho - Aí você se engana. O sétimo colocado foi o Rio Branco, com 21 pontos. Acredito que o sétimo na classificação final terá o dobro disso, uns 42 pontos. Se eu já fiz 28, jogo por 14 pontos para estar entre os sete finalistas.
O segundo turno normalmente é mais difícil, os jogos ficam mais duros. Para mim será mais fácil. Posso administrar uma queda de rendimento da equipe. Os outros vão ter de lutar mais.
Mas acho que, como nos campeonatos do Rio e de Minas, o primeiro turno deveria valer algo mais, uma taça ou um ponto extra. Isso motivaria as equipes, os torcedores, traria mais público.
Folha - É comum ouvir que a Portuguesa está em primeiro, mas que acaba morrendo na praia. Isso irrita você?
Candinho - Não, é só conversa, é da cultura do brasileiro. Quando o Corinthians ficou 20 e tantos anos sem ganhar, as pessoas diziam: "Ah, o Corinthians está em primeiro, mas nunca chega lá". Até que chegou. Como falavam do Palmeiras até três anos atrás. Todo time que não ganha é visado.
Só que a Inter de Limeira ganhou um título do Palmeiras no Morumbi lotado. O Bragantino jogou uma final com o Novorizontino. Isso é momento. A Portuguesa está num bom momento.
Folha - Qual a sua avaliação do Campeonato Paulista?
Candinho - Com os três pontos por vitória, um time pode estar mal, mas se ganhar dois ou três jogos seguidos se aproxima dos líderes. Isso deu uma outra dinâmica ao campeonato.
Mas tivemos problemas de estrutura que atrapalharam. O principal deles foi a crise dos estádios. Sem estádios aptos, a presença de público despencou. Isso cria dificuldades para os clubes.
Folha - A violência no futebol lhe assusta?
Candinho - Sim, especialmente de um ano para cá. Na minha época não existiam torcidas organizadas. O São Paulo tinha uns uniformizados, que levavam uma Nossa Senhora Aparecida. O Palmeiras tinha os Periquitinhos do Brás, que levavam uma banda. Era gente até de idade. Você ia ao Pacaembu e ficava se sentava ao lado de torcedores adversários.
Meu pai dizia que um homem sozinho tem medo de ficar em casa no escuro. Mas se estiver em dez, briga com 200. O problema da violência é que as torcidas começaram a se juntar em turmas, legiões. Não sou contra as torcidas organizadas, mas virou guerra.
Folha - Você levaria seu filho ao estádio?
Candinho - Eu tenho filhas, o que dificulta mais ainda. Hoje está difícil. Eu teria que levar num lugar, num jogo tranquilo. No meio da arquibancada, junto com o povão, onde eu costumava ir, não dá mais. É perigoso.
Folha - Do que você mais gosta na vida de treinador?
Candinho - Na vida você tem que passar alguma coisa para alguém. Eu cresci no futebol, tenho experiência internacional e quero passar alguma coisa disso adiante.
O que mais me agrada é ver ex-atletas meus vencerem por aí. O Nelsinho Batista, que hoje é técnico no Japão, foi meu jogador no Juventus. Quando ele estava encerrando a carreira, me pediu para ajudá-lo a ser treinador. Eu gostava dele e o coloquei no São Bento. Ele foi subindo e se deu bem.
Folha - Qual o pior osso do ofício?
Candinho - É o do resultado. Você é analisado pelo resultado e não pelo seu trabalho. Isso faz parte da cultura do futebol no Brasil. Você dá lucro para o clube, revela dois ou três jogadores, mas, se no final do ano o time não for campeão, pronto, você não presta.

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