São Paulo, segunda-feira, 24 de abril de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Americanos perdem a inocência pela 10ª vez

MARCELO PAIVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Dizem que os habitantes de Oklahoma City são amigáveis. A cidade é calma, no meio do nada, como a maioria das cidades daqui. Tudo que um sujeito de lá quer é trabalho, dinheiro, casa, carro japonês, TV a cabo, cerveja na geladeira, a grama aparada, esposa, dois filhos e umas férias no Caribe. Dá-se um nome para este estilo de vida: "O Sonho Americano". Na manhã da última quarta, um carro bomba explode na garagem de um prédio, levando pelos ares, mais uma vez, a inocência americana.
Temporariamente, as câmeras que têm acompanhado o julgamento do O.J. Simpson se mudam para o Meio Oeste. De manhã, era "A Explosão em Oklahoma". À tarde, "O Bombardeamento". À noite, "O Horror". As imagens chocam. Uma legião de especialistas surge do nada, procurando palavras de conforto.
Às 16h, o presidente faz um pronunciamento à nação. Procura, no seu discurso, mostrar a indignação coletiva. É o líder. É quem deve escolher as palavras certas que traduzam o sentimento de todos. E é quem deve apontar os inimigos, mobilizar o povo e mandar o recado: "Foi um ato covarde, que fere nossos ideais e que não ficará impune".
Uma nuvem preta cai sobre o país. À noite, um grupo de estudantes se junta na praça principal de Stanford. Com velas na mão, estão em silêncio, pensativos, perguntam-se: "Por quê?". Quem marcou a manifestação? Ninguém. Em muitas cidades, as pessoas se juntaram nas praças, com velas nas mãos. Foi um impulso. Será um instinto?
O país entra na rota do terrorismo. Nunca foi tão fácil manufaturar uma bomba; os dispositivos estão à mão de qualquer um. Pessoas de origem árabe são suspeitas. Ligações anônimas levantam hipóteses. Acusam o grupo negro "Nação Islã". O grupo vem a público negar. Procuram o inimigo. Ele não é visível. Pode ser qualquer um. Pode não ter qualquer ideologia. Pode ser um louco, um frustrado, um desajustado. No passado, era fácil distinguir o inimigo. Nós somos leais, honestos, corajosos, progressistas e temos tradições. Eles são egoístas, trapaceiros, imortais, sujos e desonestos.
Hoje, teorias recentes da ciência política têm dito que a semelhança é que produz a violência, não a diferença; indivíduos que desejam o mesmo acabam se tornando rivais. O sentimento de superioridade racial dos judeus provocou o nazismo? O expansionismo dos americanos provocou a Rússia? O preconceito social no Brasil não provoca a violência nas ruas?
Todos, aqui, têm motivos de sobra para entrar em depressão. Até quando a demagogia do "sonho americano", o racismo e o machismo acobertados pelos ideais do politicamente correto e a vitória do mundo livre sobre o comunismo vão esconder a verdade?

MARCELO RUBENS PAIVA está em San Francisco (EUA) como bolsista da Knight Fellowship, na Universidade de Stanford.

Texto Anterior: COMO É A TRANSMISSÃO; COMO EVITAR
Próximo Texto: Brasil vai adotar troca de seringas em 15 cidades
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.