São Paulo, segunda-feira, 24 de abril de 1995
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Cirurgia plástica

Entra ano, sai ano e a discussão do Orçamento repete o mesmo deprimente festival de interesses pequenos e de descaso para com projetos e prioridades de âmbito nacional. Depois do Orçamento de 1993 -que recebeu inconcebíveis 72 mil propostas de emendas-, até mesmo o Parlamento teve que se render ao absurdo. Para 1994, limitou em 25 o número máximo de propostas por parlamentar. Foi um avanço débil demais, que permitia ainda mais de 14 mil emendas.
Agora, surge no Congresso mais um esforço para moralizar essa questão e, mais uma vez, o projeto em debate fica muito aquém do que seria desejável. A comissão especial do Congresso que estuda o tema lançou a idéia de reduzir a dez o máximo de emendas por congressista, sendo que propostas "coletivas", apresentadas por três quartos dos parlamentares de um mesmo Estado ou 20% dos de uma região teriam prioridade.
Por mais que o Executivo e o Legislativo pareçam, com suas atitudes, discordar, o Orçamento é coisa muito séria. É a definição das prioridades na nação para aquele ano -e deveria refletir inclusive o compromisso com a austeridade fiscal. No Brasil, contudo, tornou-se pouco mais que uma peça de ficção.
O pior é que mesmo a tímida proposta da comissão já granjeia opositores, congressistas que confundem Congresso Nacional com Câmara de Vereadores e querem continuar a apresentar avalanches de emendas sem responsabilidade quanto a seu financiamento.
Uma medida que realmente poderia reformar o distorcido sistema orçamentário atual seria a exigência de que as emendas fossem propostas não por parlamentares individualmente, mas por bancadas partidárias. Isso contribuiria para fortalecer as legendas e tenderia a reduzir bastante o número de propostas paroquiais ou estapafúrdias.
Só com mudanças como essa é que se poderá moralizar a elaboração do Orçamento e começar a dar a necessária credibilidade a essa peça. As providências cogitadas pelo Congresso prometem repetir o frustrante resultado da CPI do Orçamento: fazem uma cirurgia plástica num paciente que tem úlcera.

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