São Paulo, sexta-feira, 28 de abril de 1995
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Orgulho ou vergonha?

GILBERTO DIMENSTEIN

WASHINGTON - Lendo ontem reportagem sobre o Brasil publicada no "The New York Times", Golam Arshad, um jornalista de Bangladesh, um dos países mais pobres do mundo, me perguntou: "Como é que vocês brasileiros conseguem isso?" Disse-lhe, então, que aquela notícia, apesar de conhecida, também me causava perplexidade. "Vou escrever uma reportagem para o meu país e vai ter muito interesse", acrescentou.
Na sala de imprensa do encontro do Fundo Monetário Internacional, uma torre de Babel, ele tirou cópia da reportagem que saiu com destaque no jornal americano, mostrando que o Brasil é hoje um dos maiores exportadores de alimentos em todo o planeta. Sua questão: como um país consegue ter tanta fome e, ao mesmo tempo, exportar tanta comida?
A reportagem é positiva. Mostra americanos fazendo fortunas no interior de Goías. Cita o professor Norman Borlaug, Prêmio Nobel por suas descobertas agrícolas, dizendo que, em breve, o cerrado pode exportar alimentos para todo o mundo. Para quem não sabe: Borlaug é um dos responsáveis pela chamada "revolução verde", que elevou a produtividade da agricultura em regiões miseráveis da Ásia.
A simples pergunta do jornalista de Bangladesh mostra que, na verdade, a reportagem não é motivo de orgulho nacional -mas de vergonha. Certamente um economista é capaz de dar uma explicação rápida sobre como se produz comida e fome ao mesmo tempo, dando lógica ao absurdo.
O problema, porém, não é desordem econômica; é, antes de mais nada, desordem moral. Afinal, não temos guerras como as que devastaram Bangladesh nem catástrofes climáticas. Nossa seca é uma mentira. Existe água, todos sabemos. Faltou em nossa história seriedade e determinação para enfrentá-la.
Apenas um exemplo: existem hoje espalhados pelo Nordeste 20 mil poços abandonados. Motivo: a água encontrada é salgada. Acontece que há muito tempo estão à disposição, inclusive no Brasil, máquinas baratas que purificam a água. Em algumas cidades da Bahia estão em funcionamento.
PS - A propósito, uma das mais notáveis experiências sociais do mundo está em Bangladesh. É um banco (Gramem Bank) que faz pequenos empréstimos, cerca de US$ 70 em média, destinados a geração de renda. Os resultados são notáveis, e a taxa de calote é de inacreditáveis 3% -muitas vezes menor do que a do baronato com o Banco do Brasil.

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