São Paulo, segunda-feira, 1 de maio de 1995
Texto Anterior | Índice

Entidades negras exigem terras para ex-escravos

CRIS GUTKOSKI
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SÃO LUÍS

Erramos: 22/08/95
No ano do tricentenário da morte do líder negro Zumbi dos Palmares, a principal ação das comunidades rurais negras e dos fóruns estaduais de entidades negras será pressionar o Congresso e o governo federal para que sejam emitidos os títulos de posse das terras atualmente ocupadas por descendentes de escravos.
A decisão foi tomada na semana passada em São Luís (Maranhão), no encerramento do 4º Encontro de Comunidades Negras Rurais do Maranhão, que reuniu representantes de dez Estados do país.
A briga pela propriedade da terra passa pela regulamentação do artigo 68 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal, que assegura aos ``remanescentes de quilombos" (descendentes de escravos) o reconhecimento da propriedade definitiva das terras.
``Sentimos que o governo Fernando Henrique Cardoso é sensível a esse tipo de pressão", declarou a antropóloga Lúcia Andrade, uma das coordenadoras do encontro em São Luís. A mulher do presidente, Ruth Cardoso, também é antropóloga.
As terras pretendidas pelas comunidades rurais negras são áreas de conflito, disputadas por grandes proprietários de terra e exploradores de minério como é o caso do povoado Boa Vista, em Oriximiná (PA).
A área de 798 hectares, pretendida por cerca de cem famílias de descendentes de escravos, é cercada pela reserva biológica de Trombetas e vizinha da Mineradora Rio do Norte.
``O governo federal tem obrigação de interferir rapidamente para evitar novos conflitos", afirmou Lúcia Andrade, também coordenadora da Comissão Pró-Índio de São Paulo.
No Maranhão, já foram solicitadas à Procuradoria da República a desapropriação dos povoados de Frechal, em Mirinzal (10,5 mil hectares para 135 famílias) e do Jamari, em Turiaçu (13 mil hectares para 152 famílias).
No Pará, comunidades negras que vivem da coleta da castanha tentam garantir na Justiça a posse de áreas de 90 mil hectares e de 270 mil hectares.
A segunda equivale a 2.700 km2 e significa uma área três vezes maior que a capital do Maranhão, que tem 822 quilômetros quadrados.
Casos como estes serão discutidos em junho em Brasília em uma audiência pública que os fóruns de entidades negras vão organizar na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados.
Em maio, os representantes das comunidades rurais negras vão convocar o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, para ser porta-voz do movimento pela posse das terras ocupadas por descendentes de escravos.
O encontro encerrado semana passada em São Luís também definiu uma agenda de eventos para marcar o tricentenário da morte de Zumbi dos Palmares.
No dia 12 de maio, em São Paulo, acontece o Tribunal Popular Zumbi dos Palmares, na Faculdade de Direito do Lago São Francisco, da USP. Presidido pela senadora Benedita da Silva (PT-RJ) e tendo como advogado de acusação o deputado federal Hélio Bicudo (PT-SP), o tribunal vai dramatizar julgamentos de casos de violência contra os negros como o massacre na penitenciária do Carandiru, em 92. Na ocasião, morreram 111 presidiários.
Para o dia do tricentenário, 20 de novembro, estão sendo organizadas uma passeata em Brasília e a subida da Serra da Barriga, em Alagoas, região que abrigou o quilombo dos Palmares no século 17. Para esta comemoração oficial foi convidado o presidente sul-africano Nelson Mandela.

Texto Anterior: Calor temporão leva 15 mil ao Ibirapuera
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.