São Paulo, segunda-feira, 1 de maio de 1995
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Uma pergunta insolente

FRANCESC PETIT

Os mais sensatos ficam atônitos com este festival de absurdos vendido como propaganda `moderna'
Em 1989, um importante empresário, sr. Miguel Corbero, o maior fabricante de fogões, máquinas de lavar e geladeiras da Espanha, me convidou para jantar no Iate Clube de Barcelona.
O interesse do sr. Corbero era ter uma idéia do mercado brasileiro e das possibilidades de exportar os seus produtos. O jantar correu num clima simpático. Em determinado momento, ele me fez uma pergunta embaraçosa, quase grosseira: ``sr. Petit, no Brasil os publicitários também são ladrões, como os espanhóis?"
Fiquei espantado com a pergunta tão deselegante, mesmo sabendo que ela tinha seus fundamentos e razão de ser, pois o sr. Corbero não era o primeiro a ter uma imagem tão ruim da classe publicitária daquele país, parecido com o caso na França e, pior ainda, na Itália.
Naturalmente, eu respondi ao empresário defendendo os publicitários espanhóis, dizendo que o problema eram os clientes em geral, que não sabiam lidar com as agências; e que infelizmente o empresário espanhol, muito autoritário e anárquico, não tinha cultura de marketing que o fizesse entender de propaganda e das propostas que os profissionais levam para os seus clientes. Além do mais, os empresários lá são péssimos pagadores e fazem todo tipo de confusão para obter vantagens; daí, as agências trabalham sempre inseguras e apavoradas, pois os clientes jamais mostram o mínimo de fidelidade.
Então, contei ao sr. Corbero que no Brasil o publicitário é respeitadíssimo e tem uma ótima imagem. Que são pessoas célebres, com grande espaço no noticiário, principalmente nas colunas sociais; e que os empresários brasileiros dão muito valor aos publicitários, a ponto de, na maioria dos casos, terem relações pessoais muito fortes e longas -o mesmo ocorre junto aos governos central e estaduais.
Já houve um caso de um publicitário assumir um ministério. Eles circulam com grande desenvoltura; é habitual o presidente do país ser amigo pessoal de vários.
Ainda expliquei ao sr. Corbero que as relações comerciais entre cliente e agência são extremamente corretas. Os clientes pagam a taxa estipulada pela lei que regulamenta a propaganda e fazem seus pagamentos rigorosamente nas datas previstas. E, apesar da inflação, ninguém é prejudicado.
A mesma coisa acontece com os veículos. Ao contrário da Espanha, os publicitários no Brasil são amigos pessoais dos proprietários e dos diretores dos veículos; há grande amizade e respeito mútuo entre as partes, incluindo clientes. Os veículos jamais atravessam os negócios entre agência e cliente.
Não conheço um grande publicitário que não tenha excelentes relações com o Roberto Civita, os Bloch, com os irmãos Otavio e Luís Frias, com a família Mesquita, Domingo Alzugaray, Mino Carta, como com Roberto Marinho, Silvio Santos, João Saad, o Sirotsky da RBS, Luiz Fernando Levy etc. Sem dúvida, este relacionamento tão cordial só veio beneficiar os anunciantes com um setor de comunicação e propaganda poderoso e afinado.
O sr. Corbero se mostrava impressionado com a minha postura diante da profissão. Ainda acentuei o excelente relacionamento entre os publicitários brasileiros, de amizade e de comportamento extremamente ético. Todos esses pontos tornam a profissão extremamente sólida e estável, e todos ganham com isso -cliente, agência e veículos.
Tudo isso se refletia no alto padrão da propaganda brasileira, admirada e respeitada nos principais centros comerciais do mundo, trazendo como benefício direto uma imagem moderna e profissional do empresariado brasileiro.
Hoje, se outro sr. Corbero me fizesse a mesma pergunta insolente, acho que não poderia responder com tanto orgulho e tantas certezas sobre nossa classe. Excesso de esperteza e ambição colocam em perigo esta profissão em que durante anos trabalhamos para torná-la digna e superprofissional.
Parece que não existe mais paciência, ideais românticos, amor pela profissão e respeito pelos colegas. A grosseria passou a comandar o setor, impregnando relações entre publicitários, linguagem dos comerciais de TV e textos dos anúncios. As imagens visuais e as fotos se tornaram antifotos.
Os mais sensatos ficam atônitos contemplando este festival de absurdos, de aberrações publicitárias vendidas aos clientes menos informados como propaganda ``moderna", ``linguagem jovem", o que, na realidade, não passa de puro delírio na tentativa de procurar idéias criativas que nunca tiveram e que não vão ter.
O negócio é chutar o galinheiro, gritar e dar porrada no próximo, desrespeitando toda uma história e profissionais que optaram por discrição e trabalho sério, ridicularizando a inteligência e elogiando o deboche, enganando o leitor e o telespectador. Resultado da mais desenfreada ambição e imediatismo, como um passageiro estranho, sem origem nem destino, só interessa o momento, a jogada, destruir o colega, as entidades, os princípios... Só vale o cara politicamente articulado. Este é o valor máximo do publicitário atual.
Certamente, não irei nunca mais jantar com o sr. Corbero.

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