São Paulo, segunda-feira, 1 de maio de 1995
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As obras públicas e o seguro-garantia

PAULO GODOY

A adoção do seguro-garantia de obras públicas é parte das mudanças nas relações entre o Estado e a iniciativa privada, num novo contexto em que o mercado terá melhores condições que o governo de assegurar -em seu benefício e no da sociedade- o cumprimento e a qualidade dos contratos. Seguro é operação vinculada à garantia. E a garantia se faz necessária em função da existência de riscos. Na contratação de obras públicas, há riscos para os dois lados envolvidos: o órgão contratante e a empresa construtora.
Os maiores riscos da empresa concentram-se numa das poucas obrigações da outra parte -o fiel cumprimento dos contratos. E aqui cabe destacar que a crise cada vez maior da capacidade de financiamento do Estado acentuou a quebra dos compromissos dessa outra parte, através das formas mais habituais de desrespeito aos contratos -atrasos de pagamento e suspensão dos projetos em execução.
Quanto aos riscos do contratante, eles cresceram muito depois da nova lei de licitações, que reforçou a figura do preço inexequível. Muitas construtoras, sob os efeitos de um mercado comprimido e levando em conta o critério de julgamento baseado sobretudo no menor preço, apresentam preços extremamente baixos. E o contratante, mesmo sabendo que será impossível a execução dos serviços pelos valores propostos, recusa-se a desclassificá-los.
Temos evidências bem atuais das consequências dessa irresponsabilidade: a paralisação de diversos contratos do programa de despoluição do Tietê e das obras da rodovia Fernão Dias, cujos preços manifestamente inexequíveis foram apontados como exemplos de economia. Ou seja, o subfaturamento das obras públicas é tão condenável quanto o sobrepreço abusivo.
Eis aí os riscos das obras públicas no modelo tradicional de financiamento. No novo modelo, baseado nas concessões de serviços públicos, os riscos são amplamente analisados pelo principal agente do processo -o financiador. Nenhum consórcio empresarial se prestará ao financiamento de projetos inviáveis ou de altos riscos.
Mas, como esse novo modelo de financiamento coexistirá com o sistema tradicional de contratação de obras, faz-se necessária a criação de mecanismos que possibilitem maior garantia aos investimentos feitos com recursos públicos. Uma das modalidades que apresenta maior êxito no mercado internacional é o chamado seguro-garantia de execução ou fornecimento, o ``performance-bond".
O quadro exposto nos remeteria a uma dupla aplicação do seguro-garantia: seguro para o contratante e seguro para o contratado. No caso do seguro para o contratante, alguns supõem que sua exigência significaria restrição de mercado, favorecimento a grandes empresas, centralização de informações e liberações junto ao IRB (Instituto de Resseguros do Brasil). Mas isso reflete desconhecimento da realidade.
Nos últimos anos, o mercado de seguros vem ganhando agilidade operacional crescente. Desde 1990, para o caso do seguro-garantia, foram criados dois tipos de seguradoras: as especializadas e as não-especializadas. As primeiras independem do IRB para cadastro e fixação de limites de seguro. As não-especializadas devem consultar o IRB previamente.
Por outro lado, há um conjunto de dados que são analisados pela seguradora especializada antes da fixação de limites e que vão muito além dos indicadores financeiros da empresa interessada. Ao patrimônio líquido e ao faturamento somam-se a qualidade e o currículo do corpo técnico da empresa e seu comportamento no mercado.
No caso das seguradoras não-especializadas, recomenda-se a revisão dos critérios de fixação de limites pelo IRB, hoje quase que concentrados somente no patrimônio líquido das empresas. Sobretudo para a construção civil, onde as empresas têm como característica própria do negócio um giro que corresponde a de sete a dez vezes o patrimônio delas.
Quanto ao valor do seguro-garantia a ser exigido nas concorrências, a experiência internacional aponta percentuais bastante flexíveis: o Banco Mundial exige 30% do valor da obra a ser executada; na Europa, o valor médio da garantia corresponde a 10% do contrato; na Argentina e Chile, esse valor varia entre 3% e 5%; e nos Estados Unidos, para obras acima de US$ 25 mil, o seguro-garantia tem de atingir o valor integral do contrato.
No cenário brasileiro, governo e iniciativa privada podem analisar conjuntamente quais valores se adaptam melhor ao mercado, fixando percentuais em relação ao contrato que nem sejam desprezíveis, nem sejam instrumento de exclusão de boas empresas.
Por tudo isso, a Apeop (Associação Paulista de Empresários de Obras Públicas), como entidade interessada na defesa do mercado para pequenas, médias e grandes empresas, considera positiva a adoção do seguro-garantia nos contratos de obras, desde que obedecidos os seguintes princípios:
1) As garantias devem existir de parte a parte, ou seja, o contratado (empresa) deve também ter assegurados seus direitos firmados em instrumento jurídico (o contrato).
2) O ``performance-bond" é um sistema avançado de análise de propostas comerciais, por remetê-las a critérios de economia de mercado, em vez de critérios subjetivos ou até políticos de avaliação.
3) Deve-se apoiar a desregulamentação do mercado de seguros, flexibilizando os critérios adotados pelo IRB.

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