São Paulo, segunda-feira, 1 de maio de 1995
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Os nós da Previdência

A proposta de reforma da Previdência passou pelo primeiro obstáculo, ao ter a sua tramitação admitida pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Mas a admissibilidade não entra no mérito da proposta em si, que precisa ser discutida sob múltiplos enfoques, até porque são múltiplos os modelos em vigor no mundo.
Um dos pontos centrais a ser examinado diz respeito ao elevadíssimo valor dos recolhimentos sobre os salários e a folha de pagamentos. A única alteração feita nesse aspecto até aqui foi o aumento da alíquota de contribuição sobre os salários mais altos de 10% para 11%. Os empregadores continuam a pagar 20% sobre a folha.
Ora, conforme relatório organizado pelo Banco Garantia, nos Estados Unidos, por exemplo, a Previdência oficial recolhe apenas 6,2% dos empregados e mais 6,2% sobre a folha de pagamentos das empresas. A soma dá, portanto, menos da metade da porcentagem cobrada no Brasil.
O relatório cita também o Chile, onde não existe mais um sistema de Previdência oficial. O governo apenas regula as instituições privadas, que investem os recursos em aplicações de longo prazo. A contribuição é de 10% dos salários e rendas tributáveis e é recolhida somente pelos trabalhadores.
Parece evidente que o sistema brasileiro não é melhor do que o norte-americano ou chileno, do que decorre a constatação de que o cidadão brasileiro paga mais por um serviço bastante pior.
As elevadas porcentagens recolhidas sobre a folha e os salários no Brasil estão diretamente relacionadas à grande informalidade do mercado de trabalho e à sonegação, para não mencionar outros tipos de fraude que têm sido sistematicamente denunciados.
Impõe-se, a partir desses dados, uma primeira questão: se se atacar mais frontalmente a informalidade e as irregularidades no sistema, a arrecadação não aumentaria o suficiente para cobrir o déficit estrutural que o governo diz haver?
Decorrência direta do anterior, cabe também perguntar -e, neste caso, a resposta parece óbvia- se o excesso de tributação não é um estímulo à informalidade.
É claro que a queda na proporção entre contribuintes e beneficiários indica a necessidade de reformar o sistema. Mas a má gestão, que obviamente não está contemplada na proposta de reforma, tem também sua parcela de responsabilidade: os recursos não são adequadamente investidos, ao contrário do que ocorre no Chile, o que faz com que a Previdência brasileira tenha de viver a cada mês daquilo que recolheu no mês anterior.
É acertada, sem dúvida, a proposta de se eliminarem distorções como o acúmulo de aposentadorias e os regimes especiais para trabalhadores do setor privado. É lamentável, porém, a possível manutenção dos privilégios concedidos ao funcionalismo público.
A proposta de eliminação da aposentadoria por tempo de serviço, que seria substituída pelo tempo de contribuição, visaria a evitar que pessoas se aposentem quando estão em plena capacidade de trabalho. Pelo sistema atual, pode-se obter a aposentadoria comprovando apenas que se trabalhou, mesmo sem ter contribuído o suficiente, o que acaba resultando em uma das principais fontes de prejuízo para a Previdência.
Essa legislação atende, entretanto, a um critério de justiça social, o de não deixar desassistido o trabalhador que não foi registrado. A informalidade é maior justamente nas regiões mais pobres do país, nas quais a expectativa de vida é mais baixa. Assim, sem ter contribuído e morrendo mais cedo, os mais pobres ficariam distantes de alcançar em vida a aposentadoria, por mais inexpressiva que seja.
É inegável a necessidade de rever o atual sistema brasileiro de seguridade social. Mas seria lamentável se a oportunidade dessa revisão fosse consumida apenas para acomodar a contabilidade de um velho sistema, em vez de modernizá-lo de modo mais consistente, levando em conta, entre outros fatores, a experiência internacional.

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