São Paulo, quarta-feira, 3 de maio de 1995
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Representação e escrúpulos

FRANCISCO WHITAKER

Meu artigo sobre os Cepacs (Certificado de Potencial Adicional de Construção), aqui publicado em 28/3, preocupou alguns de meus pares na Câmara: Bruno Féder investiu nesta coluna contra mim e o PT no dia 1º de abril, Marcos Cintra dedicou-me críticas em discurso na tribuna da Câmara e em artigo na Folha no dia 27/4 (pág. 2-2). Deixando a resposta a Cintra para outro momento, aproveito a oportunidade que Féder me dá de aprofundar algumas questões.
Para ele, eu teria ``desqualificado" a Câmara, ``insinuando, covarde e irresponsavelmente", que ela age pelo ``é dando que se recebe". Não insinuo nada. Assumo a responsabilidade de dizer o óbvio: essas ``trocas" são uma realidade. Mas vou mais longe: afirmo que o modo como elas funcionam perverte a função parlamentar.
Parece que Féder não diferencia a negociação legítima da espúria. Na sociedade sempre existem conflitos. Foi para resolvê-los que se instituíram os parlamentos. As negociações que neles ocorrem são trocas: na defesa dos interesses dos cidadãos que representa, cada parlamentar troca o que pode ceder pelo que cedem os que a eles se opõem. O problema não está na troca, mas no que se troca. Se chantageio com meu voto em troca de vantagens pessoais, deixo de ser um representante político. Igualo-me aos sequestradores: aproprio-me do poder que pertence ao povo para obter benefícios pessoais.
Féder pergunta: e nos tempos de Erundina? Para esse vereador, que passou por cinco partidos em seis anos, a explicação talvez seja ininteligível: optamos por entendimentos entre propostas políticas. Como não construímos alianças suficientes, ficamos em minoria, o que bloqueou muitas de nossas iniciativas. Leis necessárias não foram aprovadas. A municipalização dos transportes, que resolvia uma crise de 15 anos, ficou um ano e meio congelada na Câmara. Com o Plano Diretor, quase conseguimos o ideal: transformar a Câmara em espaço de negociação democrática, com participação da sociedade.
Hoje, o que funciona é o rolo compressor do prefeito. Sua maioria aprova tudo que ele exigir. Até leis inconstitucionais, como a tentativa de aumento do capital da Emurb. E chama a polícia, se prejudicados tentarem participar, como com a lei salarial dos servidores. Ora, é mais do que sabido que o prefeito obtém esse apoio distribuindo cargos e administrações regionais a quem dependa do clientelismo para sobreviver politicamente. Infidelidades são punidas com exonerações. Pergunto: essa submissão respeita a função de representação do parlamentar?
Na verdade, Féder, em seu artigo, enveredou pela prática que mais desacredita os políticos: a de escamotear a verdade sem enrubescer. Não é uma boa forma de assegurar para a Câmara uma imagem de ``instituição séria e responsável". Só o conseguiremos enfrentando as distorções antidemocráticas de nossos parlamentos.

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