São Paulo, quarta-feira, 3 de maio de 1995
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SOS para o Real

DAGOBERTO LIMA GODOY

O Plano Real corre perigo de naufragar, arrastando a economia brasileira de volta à perversa rima de inflação com recessão. Para que o desastre não aconteça, é indispensável uma decidida ação do governo em três frentes: câmbio, juros e reformas estruturais.
A âncora cambial, como principal instrumento de estabilização da economia, atinge seu limite de exaustão, como claramente indicou a crise de março, não bastassem os exemplos do estouro do México e da delicada situação argentina. Entretanto, a supervalorização de nossa moeda, não resolvida pelo sistema de bandas de flutuação, continua impondo pesado ônus sobre as exportações, enquanto barateia artificialmente produtos estrangeiros -provocando uma avalanche de importados, em concorrência invencível, porque viciada pelo câmbio irreal, à produção interna.
Nessa frente, reclamamos um conjunto de medidas urgentes que incluam: a) progressão para o realismo cambial através do avanço das bandas de flutuação; b) compensações imediatas para os exportadores, com destaque para a restituição dos impostos embutidos na cadeia exportadora; c) competente administração tarifária, que desonere a importação de insumos e preserve a produção interna e a geração de empregos; d) repulsa à importação de produtos altamente subsidiados e outras formas de ``dumping"; e) incentivo às inversões estrangeiras permanentes, em novos empreendimentos que aportem novas tecnologias e aumentem a produção nacional.
Mais grave, talvez, que a sobrevalorização do câmbio são as estratosféricas taxas de juros atuais. O governo se aferra a sua pática, acreditando que seja a resposta eficaz a duas ameaças: o mau desempenho da balança comercial e o excessivo aquecimento do mercado interno. Os elevadíssimos juros agem como atrativo para os capitais especulativos internacionais, enquanto inibem a atividade econômica e o consumo interno. As taxas de juros hoje praticadas no Brasil são devastadoras, levando à fragilização financeira das empresas e do próprio governo e propiciando uma injusta transferência de renda do setor produtivo da economia para o setor financeiro.
Enquanto o país fica refém dos especuladores internacionais, no plano interno o temido aquecimento da economia é contestado por evidências inquietantes. Pesquisa recentemente realizada pela Fiergs no âmbito da indústria gaúcha revela que para 67% das empresas entrevistadas a demanda está estável ou caindo; 51% informam queda na lucratividade e 48% amargam um aumento da inadimplência de sua clientela.
Essa desastrosa política de juros precisa ser abandonada, antes que seja tarde. As ameaças temidas pelo governo são reais, mas têm que ser enfrentadas de maneira a preservar o sistema produtivo. Quanto à modulação do consumo interno, que o governo use com coragem, assumindo a convicção de sua necessidade, instrumentos mais diretos, como o antipático Imposto de Renda na fonte ou o famigerado empréstimo compulsório, desde que honestamente garanta as respectivas devoluções.
Melhor do que qualquer outra, a resposta definitiva estará na restauração das condições para o crescimento da produção, quer dizer, da oferta de bens e serviços, o que significará também mais empregos, melhores salários e mais receita tributária. Para chegarmos assim à terceira frente no início citada, que tem seu centro nas reformas constitucionais.
Dentre elas, em primeiro lugar, a dinamização do programa de privatizações, cujo avanço, além da simbólica reafirmação da vontade política de modernizar o país, resultará na obtenção de recursos vultosos, capazes de reduzir o endividamento do governo e, pelo alívio da fantástica pressão exercida pelo setor estatal sobre o mercado financeiro, contribuir para a queda na taxa de juros.
Em segundo lugar, o governo poderá consolidar uma âncora monetária, através do estabelecimento de metas consistentes e sólidas de expansão da base monetária e do crédito. Com isso, será revigorada a credibilidade da moeda, o que quer dizer, a crença na estabilidade dos preços, com o que a taxa de câmbio poderá ser liberada para cumprir sua genuína função de reguladora do comércio exterior do país.
Em terceiro lugar, o governo deverá confirmar que definitivamente está disposto a controlar os gastos públicos, resistindo às pressões para o aumento da despesa pública, inclusive às que vêm alicerçadas em reclamos justos em favor da melhoria dos salários do funcionalismo -as despesas do governo com pessoal aumentaram 75,7% em termos reais no primeiro bimestre deste ano em relação ao mesmo período em 94. Finalmente, precisarão cessar as operações de socorro a bancos estaduais e a quaisquer outros desmandos na órbita dos Estados ou das estatais, que tanto contribuíram para o malogro dos anteriores planos de estabilização.
Chegamos afinal às reformas constitucionais. Sobre estas não há mais que falar, mas que agir para que aconteçam, como condição indispensável à retomada do desenvolvimento nacional. Esta não é só uma tarefa do Congresso nem do governo, ainda que a eles toque institucionalmente a responsabilidade mais direta. A sociedade como um todo precisa mobilizar-se para que não prevaleçam os interesses corporativistas. A conclamação do presidente Fernando Henrique precisa ser prontamente respondida. É hora de agir. O SOS está no ar e o perigo vai muito além do Plano Real: ameaça o futuro do país.

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