São Paulo, quarta-feira, 3 de maio de 1995
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Prêmio Sharp lembra rainha do teatrão

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

A homenagem que a Sharp hoje presta a Dulcina de Moraes serviu, no mínimo, para lembrar a muita gente que a atriz continua viva. Há anos reclusa em Brasília, Dulcina, 87, detesta entrevistas e raramente sai de sua furna. Poucas vezes expôs-se à mídia depois que trocou o Rio pelo Planalto Central, para cuidar de perto de uma faculdade de arte dramática.
Na última vez em que foi vista em público, participava, como julgadora, de um concurso de textos promovido pelo Serviço Nacional de Teatro, na década passada. Salvo engano, sua mais recente conversa com jornalistas remonta a 1968, quando depôs sobre sua carreira para o Museu da Imagem e do Som do Rio.
Fernanda Montenegro a considera ``a figura mais importante do teatro brasileiro deste século". Por achar a mesma coisa, o ator Sergio Viotti escreveu, tempos atrás, uma pequena e devota biografia da atriz. A importância de Dulcina se mede menos por suas virtudes histriônicas do que por sua abnegada dedicação ao teatro, onde formou, com o marido Odilon Azevedo, morto em 1972, a mais famosa dupla de atores da ribalta brasileira.
Dulcina não era a nossa Sarah Bernhardt, nem foi a nossa Eleonora Duse. Seu parâmetro mais justo é a atriz norte-americana Lynn Fontanne, que compunha com Alfred Lunt o casal mais bem-sucedido da Broadway.
Mesmo aqueles que se incomodavam com os excessos interpretativos dela e consideravam Odilon um dos maiores canastrões do planeta -como era o caso do humorista Sergio Porto-, respeitavam o empenho empresarial da dupla e suas contribuições para o aprimoramento da atividade teatral. Foi graças a Dulcina e Odilon que se aboliu entre nós a figura do ponto e se instituiu a folga teatral às segundas-feiras.
Descendente de espanhóis, mas jamais nascida, como muitos acreditavam, em Valencia, e sim na cidade fluminense de Valença, Dulcina de Moraes Azevedo, cresceu entre palcos, coxias e camarins. Seus pais, Conchita e Atila de Moraes, eram atores, viviam excursionando pelo país e só tiveram tempo de batizar a filha quando ela já tinha dois anos de idade e quase isto de experiência teatral.
Ainda era de colo quando encarnou seu primeiro papel: um bebê que, sem querer, transformava uma tragédia conjugal numa inesperada comédia.
Tempos heróicos aqueles. Montagem que emplacasse 50 récitas era considerada um sucessão. Nas turnês pelo interior, as roupas e os móveis para o cenário vinham das casas mais generosas da região. Trabalhava-se muito e sem o necessário apuro, recebendo-se em troca sempre menos do que se esperava.
Aos 17 anos, Dulcina teve a chance com que todos sonhavam: uma vaga na companhia de Leopoldo Fróes, o ator e mentor mais respeitado do início do século. Quando este se exilou na Europa, onde morreria tuberculoso, a filha de Conchita retornou ao aprisco familiar.
Mais tarde, quebraria outro tabu, batizando de Dulcina o velho teatro Regina, que até hoje fica na rua Alcindo Guanabara, no centro do Rio, desde 1977 gerido pelo Governo Federal. Dulcina o vendeu para concluir as obras da Faculdade de Artes Cênicas, prolongamento brasiliense da Fundação Brasileira de Teatro, instituição por ela criada nos anos 50.
Sua mais memorável criação, como atriz, foi a Sadie Thompson de ``Chuva", a célebre peça inspirada numa história de Somerset Maugham. Dulcina também fez questão de representar Helena de Tróia, Cleópatra, Anna Christie, a Marquesa de Santos, e outras ansiosas e frementes heroínas de Bernard Shaw, Eugene O'Neill, Noel Coward, Jean Cocteau, Garcia Lorca e Ariano Suassuna. Queria ligar sua imagem à de grandes mulheres. Dulcina nunca pensou pequeno.

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