São Paulo, quarta-feira, 3 de maio de 1995
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Viver ou morrer

A Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara parece disposta a encampar proposta apresentada pelo ministro da Saúde, Adib Jatene, de criar uma fonte de financiamento exclusiva para a área.
A proposta do ministro é ousada e polêmica: estabelecer uma espécie de novo IPMF (o ``imposto do cheque"), cujos recursos ficariam todos com a saúde.
Esta Folha condenou, com toda veemência, o IPMF original, porque era regressivo e, ademais, representava mais um remendo em uma estrutura tributária que carece de uma reforma profunda e urgente.
Mas, diante de uma emergência como inequivocamente é a da saúde, não se pode deixar de apoiar a proposta do ministro Jatene; afinal, há pessoas morrendo. Jatene demonstra que, só este ano, há um buraco de R$ 3,045 bilhões a ser coberto pela nova contribuição.
Pior ainda: esse rombo, já elevado, não inclui qualquer melhoria no atendimento de emergência dos hospitais públicos, que é vergonhoso para dizer o mínimo. Tampouco inclui a conclusão de cerca de 1.700 hospitais, postos de saúde e ambulatórios que, segundo o ministro, estão com as obras paralisadas, ou investimentos em saneamento e em programas como o de combate à malária.
O que dá ainda caráter de absoluta emergência à proposta do ministro é o fato de que maio é o mês do reajuste salarial do pessoal da saúde, com o que os hospitais terão um acréscimo em suas despesas que o ministério diz não ter a menor condição de cobrir.
Reconhecidas essas carências, torna-se no entanto indispensável que o setor público, na saúde como em qualquer outra área, demonstre a eficiência que lhe falta, por meio de um processo de reengenharia similar ao já executado em grande parte da iniciativa privada. O bom uso das verbas já disponíveis é a única maneira de convencer a sociedade de que deve dar uma contribuição adicional, na forma de um novo imposto, ainda que o ministro prefira chamá-lo de ``contribuição de emergência".
É fundamental, aliás, dar efetivo caráter de emergência e transitoriedade ao novo tributo. O país precisa de uma reforma tributária séria e profunda e de uma redistribuição ampla das funções da União, Estados e municípios. Por isso mesmo, seria intolerável que a emergência da saúde sirva de pretexto para criar um novo imposto que apenas adie essas reformas.
Por fim, é fundamental que o projeto de lei que eventualmente dê forma ao novo IPMF contenha dispositivos que assegurem, com a maior rigidez, que as verbas serão de fato utilizadas em saúde pública. O país já se cansou de fundos sociais de emergência que terminam financiando goiabada cascão.

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