São Paulo, quarta-feira, 3 de maio de 1995
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Demanda e moeda

ANTONIO DELFIN NETO

Antonio Delfim Netto
Cortar a demanda global através da política monetária tornou-se um exercício de imaginação crescente para a autoridade monetária. O problema é que ela sempre tem corrido atrás do prejuízo. O conjunto de medidas da última semana dá a impressão de que se tenta controlar o que hoje afigura-se incontrolável.
Se o governo tem a convicção de que o nível de atividade está muito elevado (e certamente está), parece não existir outra forma de restrição a não ser sobre a renda permanente dos agentes e, aí sim, constrangê-los pela restrição de liquidez.
O grande economista florentino Bernardo Davanzati (1529-1606) insistia em sua ``Lezione sulle monete" (1588) numa velha analogia que desde o século 14 se fazia sobre a moeda.
Disse ele que ela deve ser considerada, com relação à sociedade, o que o sangue é com relação ao corpo humano. Ela irriga todas as partes, lubrifica todas as operações, circulando permanentemente e voltando às suas origens.
Antes dele e depois dele, essa analogia foi usada com frequência para mostrar aos governos que não deviam depreciar a moeda (emitindo muito), nem concentrar em suas mãos toda ela (controlar a economia) porque, com excesso de sangue, ou todo ele concentrado na cabeça, o corpo funciona mal.
Essa analogia pode ser levada um pouco mais longe. Quando há uma escassez generalizada de moeda por curto prazo, o juro real se eleva, o nível de atividade cai e os preços crescem menos. Mas quando esse controle monetário permanece por muitos anos e o Banco Central transforma-se em caçador de liquidez, o organismo econômico reage.
Se o circuito principal está bloqueado (controle das instituições financeiras), ele desenvolve canais paralelos, inovando e criando novas formas de financiamento informais.
O excesso de regulamentação e as espantosas taxas de juros tornaram, no Brasil, o custo da intermediação bancária maior do que o da desintermediação. Como consequência, vimos nascer naturalmente a primeira contestação ao monopólio do governo de criar e controlar a moeda.
Em outros países isso aconteceu com a substituição da moeda nacional por moeda estrangeira. Aqui não. Aqui, milhares de minúsculos grupos independentes, em pequenas e grandes cidades, se organizaram para financiar os cheques pré-datados emitidos pelos compradores, em favor de pequenas e grandes empresas.
Duas novas instituições foram criadas como reação aos controles e abusos do governo: a ``agiotagem patriótica" e o ``pré-datado em legítima defesa". Elas tornaram ainda mais difícil o controle da oferta de moeda. Numa larga medida, seus efeitos não aparecem nos agregados, mas apenas no aumento da sua velocidade.
Todas essas inovações tornaram a oferta de moeda perigosamente influenciada pela sua demanda. No espectro que separa a exogeneidade da endogeneidade da oferta monetária, aproximamo-nos do segundo limite, não apenas pela zeragem automática, que continua, mas pelas inovações financeiras.
O problema é que os exageros da política de restrição monetária nesse regime são consideráveis porque podem, eventualmente, criar uma crise de liquidez que reduzirá a oferta juntamente com a demanda.

Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

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