São Paulo, quinta-feira, 18 de maio de 1995
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Ficção e realidade

MOACYR SCLIAR

Na vida real, ele é funcionário público. Na vida que imagina levar, é um dramaturgo, um grande dramaturgo que escreve peças de sucesso para grandes audiências.
- Eu faria uma grande peça de teatro com essa história do padeiro que sequestrou a cunhada.
Eu quis saber detalhes.
- Bem, na realidade ele foi preso, não é mesmo? Mas na minha história não seria isso o que aconteceria. Ele iria, sim, esperá-la à porta do colégio; não há nada demais nisso. Mas a partir daí eu mudaria tudo. Na minha história ele a levaria para um esconderijo secreto, um lugar onde nunca seriam encontrados. No começo, ela ficaria revoltada, choraria muito; depois se acostumaria. Faria comida para ambos -não há nada demais nisso, uma moça pode fazer comida para o cunhado, mesmo que ele seja um sequestrador. E também lavaria a roupa, e jogaria cartas com ele, e conversariam...
- E lá pelas tantas estariam apaixonados.
- Como é que você adivinhou? É, lá pelas tantas estariam apaixonados.
- E justamente nesse momento a esposa estaria consentindo em voltar.
- Isso! O que criaria um grande problema: ele não saberia com qual das duas ficar. Não é uma situação fantástica? Poderia até dar um episódio do tipo
``Você decide". O que você acha?
Eu não achava nada. Eu olhava a foto do padeiro, a foto do homem que tapava o rosto com a mão. E não pude deixar de pensar que a vida tem mais mistérios que a ficção.

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