São Paulo, quinta-feira, 18 de maio de 1995
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O papel do automóvel

EDUARDO ALCANTARA DE VASCONCELLOS

O aumento da produção automobilística brasileira foi comemorado por todos, inclusive sindicatos e intelectuais, em função dos seus presumíveis impactos positivos na geração de empregos e na economia em geral. A comemoração foi seguida de um aumento expressivo no número de automóveis em circulação, em função da estabilização da economia, da produção dos carros ``populares" e da importação de veículos.
Os impactos positivos da maior produção automobilística na economia são inegáveis, dado o porte da indústria e o seu enorme efeito em cadeia nas atividades correlatas. Mas os seus impactos negativos não são desprezíveis e, caso condições adequadas não sejam criadas, podem ser maiores que os efeitos positivos.
Os principais efeitos negativos são os acidentes de trânsito, os impactos ambientais e os congestionamentos. Os acidentes de trânsito já colocaram o Brasil entre os recordistas mundiais, com um número estimado de 40 a 50 mil mortos anuais, enormes prejuízos sociais e econômicos e o agravante de que a maioria dos mortos urbanos está na condição de pedestre.
No lado ambiental, a indústria demanda grande quantidade de recursos naturais não-renováveis e apresenta graves problemas de disposição de resíduos e materiais inutilizáveis; adicionalmente, o uso dos veículos já causa problemas graves de poluição ambiental.
Finalmente, os congestionamentos já são crônicos nas grandes cidades, com impactos significativos nos tempos de percurso, na acessibilidade e na produtividade geral das atividades sociais e econômicas.
A relevância desses impactos negativos requer um reexame do papel desejado para o automóvel no Brasil. Não é possível comemorar aumentos de produção sem atentar para essas consequências gravíssimas. O país está passando por uma fase de crescimento, durante a qual a estrutura dos sistemas de transportes sofrerá grandes transformações.
Na área urbana, está exaustivamente demonstrado que as cidades não comportam adaptações permanentes para acomodar os carros, seja em termos econômicos, seja em termos ambientais. Adicionalmente, políticas pró-automóvel são particularmente indefensáveis em países como o Brasil, em que as diferenças sociais e econômicas são gritantes, e a maioria das pessoas depende dos meios públicos de transporte.
Como agravante, as condições das rodovias e ruas brasileiras, aliadas aos problemas de educação e fiscalização de trânsito, permitem prever um aumento no número de acidentes, o que é inaceitável.
Por todos esses motivos, não há, a rigor, motivos para comemoração.
Precisamos decidir urgentemente qual é o uso aceitável do automóvel na nossa sociedade, em termos sociais e ambientais, e qual é o espaço urbano e regional que será criado para moldar este uso.
Precisamos decidir se caminhamos para uma estrutura ``européia" de transportes -com prioridade para o transporte público e para os movimentos de pedestres e ciclistas- ou para uma estrutura ``norte-americana", que privilegia o uso do automóvel.
Pelos motivos expostos acima, a opção ``européia" é, sem dúvida, não apenas a mais correta socialmente como também a única aceitável politicamente e viável ambientalmente. Sem essa definição, os impactos negativos serão certamente maiores do que os positivos.

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