São Paulo, quinta-feira, 18 de maio de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

De rótulos e de bispos

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - Começa mal d. Lucas Moreira Neves como presidente da CNBB. Um príncipe da igreja não tem o direito de dizer bobagens como a de que os rótulos de conservador ou progressista são ``dignos de insetos ou pedras, não pessoas".
Insetos e pedras é que não podem ser nem uma coisa nem outra. As pessoas, sim, são, goste ou não o cardeal.
D. Lucas também erra ao dizer que ``nem na política nacional ou internacional se usa mais esta classificação".
Convinha que d. Lucas lesse, por exemplo, outro príncipe, este da filosofia mundial, o italiano Norberto Bobbio. O mais recente livro de Bobbio chama-se, precisamente, ``Destra e Sinistra" (``Direita e Esquerda"), sinônimos comumente usados para ``conservadores" e ``progressistas".
O filósofo italiano demonstra, com método e paciência, que tais rótulos permanecem perfeitamente válidos e, ainda por cima, não chega a ser difícil distinguir quem é de direita de quem é de esquerda.
A diferença está no comportamento de cada qual em relação à igualdade ou desigualdade dos seres humanos. O filósofo lembra que ``os homens são, entre eles, tão iguais como desiguais". Dá até um exemplo banal: são iguais porque todos são mortais e são desiguais porque cada um morre de uma forma diferente.
A diferença direita/esquerda se dá, sempre segundo Bobbio, pelo fato de a direita aceitar mais a desigualdade, ao passo que a esquerda prioriza a busca da igualdade.
No caso de dignitários da igreja, como d. Lucas, a escolha deveria ser fácil: todos teriam que ser de esquerda, porque a igreja acha que todos os homens são iguais, por serem todos filhos de Deus. Logo, as visíveis desigualdades entre pobres e ricos, entre brancos e negros, mesmo entre mulheres e homens (ainda que atenuada mais recentemente), deveriam chocar qualquer cristão e levá-lo a ver, sim, diferenças entre ``progressistas" e ``conservadores".
Até porque tais diferenças não nasceram com a Revolução Russa de 1917 e, por extensão, não morrem com o fracasso absoluto dela.

Texto Anterior: Dinheiro à vista
Próximo Texto: Uma injustiça contra FHC
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.