São Paulo, quinta-feira, 18 de maio de 1995
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Sagrada uma ova!

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Entre as coisas que não entendo -ou entendo cada vez menos- está o direito de greve. Vejo os informadores de opinião se esgoelarem, afirmando que o direito de greve é sagrado.
Eles não dizem o mais simples, que seria: o direito de greve é constitucional. Dizem ``sagrado" e dão piedosa entonação a esse ``sagrado", como se estivessem dentro do Santo dos Santos -o local mais sagrado do Templo.
Apesar de sagrado, fazem questão de lembrar que o direito da greve termina onde começa o direito dos outros. Greve nos transportes prejudica quem se dirige aos locais de trabalho. Greve dos carteiros prejudica missivistas e destinatários. Greve de prostitutas prejudica os usuários -que garantem a tradicional profissão.
Ainda não vi o filme ``Germinal". Mas li o romance de Zola três vezes. É a história de uma greve. Ao paralisar o trabalho nas minas de carvão, os grevistas prejudicavam a sociedade inteira, que ficava sem aquecimento para as noites de frio e sem fogo para cozinhar os alimentos. Nem todos tinham alimentos para cozinhar mas deixa pra lá.
As negociações entre grevistas e patrões, basicamente, continuam as mesmas. Apela-se ou para a caridade ou para o conforto e bem-estar da maioria. A polícia, que é ineficaz no combate ao crime, quando se trata de combater greve é de exemplar eficiência.
Na atual greve dos petroleiros, houve acordo (verbal) com o presidente da República e protocolo (assinado) garantindo o pleito dos trabalhadores. Pode-se argumentar que quem pariu Mateus que o embale: no caso, Itamar é quem deveria embalar Mateus. Mas quem está no poder há mais de dois anos é Fernando Henrique Cardoso.
Tal como nos tempos de ``Germinal", os grevistas de hoje continuam traídos cinicamente pela aparente rotatividade do poder. Aparente, porque o Executivo (que é rotativo) executa sempre o mesmo poder. Quanto ao aproveitamento político da greve, o governo está lavando a égua, nem por isso consegue lavar as mãos.

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