São Paulo, sábado, 20 de maio de 1995
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Desativação de trem deixa 15 mil isolados no Pantanal

LUIZ MALAVOLTA
DA AGÊNCIA FOLHA, NO PANTANAL

Cerca de 15 mil pessoas estão isoladas em cidades do Pantanal matogrossense desde a desativação do trem de passageiros que ligava Campo Grande (MS) a Corumbá (MS) ocorrida há dois meses. A cada mês, 10 mil pessoas tomavam o trem.
Segundo a Rede Ferroviária Federal (RFFSA), as chuvas de verão deste ano, as mais intensas desde 1988, danificaram seriamente a via férrea no Pantanal.
Cerca de 50 mil dormentes (madeira que dá suporte à linha) estariam podres e isso aumentaria os riscos de descarrilamentos.
Segundo a Rede, seriam necessários R$ 500 mil para fazer a troca dos dormentes, que a empresa afirma não ter. Por isso, desativou o trem de passageiros. O transporte de cargas foi mantido.
A Agência Folha percorreu o trecho durante dois dias num auto-de-linha (veículo semelhante a um jipe que anda sobre trilhos) e visitou cidades e lugarejos que ficaram isolados.
Para muitas comunidades, o trem de passageiros era a única forma de deixar o local. Reclusos entre o Pantanal e o rio Paraguai, os moradores só conseguem sair em botes alugados. Eles custam R$ 15 por pessoa. A viagem dura cerca de 40 minutos e termina perto da rodovia BR-262, que leva a Corumbá ou Campo Grande.
Quem tem de continuar a viagem, precisa pedir carona ou esperar algum ônibus passar pela rodovia, o que pode demorar até três horas. ``Este lugar ficou como uma prisão sem grades", disse Aparecida Nascimento, 30, que vive em Porto Esperança desde 79.
Em Taunay (191 km de Campo Grande), até os índios terenas que vivem na reserva da Funai reclamam do isolamento. A BR-262 passa a 12 km do distrito e quem não tem carro só consegue sair a cavalo ou de carona.
O lavrador Divino Cabrera, 27, dependia do trem para trabalhar. ``Agora não há como chegar às fazendas onde eu trabalhava."
A Rede reconhece que o transporte ferroviário era fundamental para os moradores de comunidades existentes ao longo da linha.
Segundo o engenheiro Guilherme de Azevedo, 52, que assinou o documento desativando a linha, ``não houve jeito porque o trem colocava em riscos as pessoas".
Miguel Tomelic, 56, presidente da Associação Comercial de Corumbá (460 km a noroeste de Campo Grande), não se conforma com a situação. Ele afirmou que o fim da linha incentiva a saída de moradores da área.
Isto já estaria ocorrendo. Segundo o agente de estação em Guaicurus, José Gregório, mulheres e crianças são as primeiras a se mudar. ``Quem tem juízo vai embora." Hoje, em Guaicurus, vivem 30 homens e 9 mulheres. ``Aqui só fica homem", disse Albino Oriozola, 38, agente de estação.
A ferrovia do Pantanal vale hoje US$ 1 bilhão, segundo levantamento da empresa de consultoria Ernest & Young, de São Paulo.

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