São Paulo, terça-feira, 23 de maio de 1995
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Loach resgata a Guerra Civil Espanhola

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A CANNES

``Terra e Liberdade" (Land and Freedom), um épico à moda ``Reds" (1981) sobre a Guerra Civil Espanhola (1936- 1939), tornou-se ontem o mais aplaudido filme do festival. É a mais ambiciosa produção já dirigida pelo veterano britânico Ken Loach, especialista em retratos dos trabalhadores ingleses (``Riff Raff", ``Chuva de Pedras"). Não posso negar certa decepção.
Loach frisou a abordagem didática do conflito que cindiu a Espanha na antevéspera da Segunda Guerra e acabou atirando o país a quase meio século de obscurantismo franquista. ``É uma das maiores histórias deste século", afirmou ontem o cineasta na entrevista coletiva logo após a projeção para a imprensa. ``Foi a maior guerra contra o fascismo. Não se fala muito sobre ela e sobre a grande demonstração de solidariedade de então entre os trabalhadores europeus contra o fascismo".
Uma estrutura em flash back procura vincular o passado ao presente. ``O filme é sobre a experiência de uma revolução traída e levanta a questão sobre a volta de um momento como aquele na Europa", diz Loach. ``Terra e Liberdade" se desenvolve a partir da descoberta por uma neta do heróico passado do avô que acaba de morrer. Ele é David (Ian Hart), em 1936, um comunista desempregado de Liverpool que se engaja na milícia espanhola antifascista.
David vai testemunhar uma das maiores tragédias dos movimentos de esquerda deste século. A frente progressista internacional, a princípio unida na defesa de um governo de esquerda que enfrenta um levante reacionário, vai progressivamente se esfacelar e mesmo lutar contra si própria.
Muito das histórias de David parecem ter saído das páginas de ``Homenagem a Catalunha", o livro clássico em que George Orwell faz o balanço de seu engajamento voluntário no combate.
A ascensão do socialismo revolucionário à moda espanhola corporifica-se através de uma experiência piloto num vilarejo liberado pela milícia da qual David faz parte. As cisões não tardam a aparecer. É quando ``Terra e Liberdade" começa a patinar. Uma longa assembléia sobre a desapropriação de terras freia o filme. A doutrinação contra o dogmatismo stalinista e a falta de uma estratégia maior comum sobrepõem-se à fluência cinematográfica. Loach deixa a política sufocar a estética. Azar do filme e do espectador.
O ritmo perdido jamais é recuperado. David ziguezagueia entre os revolucionários independentes e os ligados à URSS, que controlava o fluxo de armas. ``A Revolução Espanhola foi golpeada pela política internacional do Partido Comunista da Rússia, com a ajuda do Ocidente em conluio com o fascismo na Espanha", historia Loach.
Ao final, Loach força demasiadamente a mão sacrificando uma das figuras centrais como que numa última lição. Uma sequência importante recebe essa desnecessária e artificial conclusão.
O enterro serve ao menos para que o passado e o presente articulem-se pela primeira vez com alguma relevância dramática. O teorema neo-socialista está pronto.

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