São Paulo, sábado, 27 de maio de 1995
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O pão e o brioche

CARLOS HEITOR CONY

Até que o governo se mancou e não encarou a greve dos petroleiros como um Fla x Flu cívico. Mas a parte da mídia fascinada pelo poder, que se esbofa para mostrar serviço aos eventuais ocupantes do Planalto, essa se deslumbrou com a presença de tropas do Exército nas refinarias. Os militares atenderam à sugestão de Leonel Brizola, só que compreenderam ao contrário.
De um lado, tivemos os grevistas esgotados na paciência de esperar que o governo cumprisse a palavra empenhada por um presidente da República.
De outro, o governo formado por gente que come todos os dias -inclusive goiabada-, que teve salários reajustados por índices que foram negados a outros trabalhadores.
Quem viu a briga como a um jogo de futebol, torcendo pelo mais forte, esqueceu que o pessoal do governo tem comida, casa e roupa lavada garantidas. O outro time quer uma justiça que lhe foi assegurada há tempos por um presidente da República e prometida por um candidato que, não faz muito, e como Leonel Brizola, era contra a intervenção do Exército em movimentos sociais.
Argumentar com o desconforto causado pela greve, com as criancinhas passando fome, mães que não podiam esquentar as mamadeiras, é pior do que hipocrisia: é crueldade. No fundo, o governo está se lixando para esse tipo de drama. Nas cabeças dos intelectuais do neoliberalismo (que os colunistas sociais chamam de ``coroadas") é apenas ``um dado da questão" que Dona Ruth e Betinho um dia resolverão.
Inútil, também, discutir se a greve foi política ou não. Toda greve, por definição, é política. É o único recurso que a classe trabalhadora dispõe para chamar a atenção da sociedade. Tanto o pão como o brioche de Maria Antonieta custam o suor de algum trabalhador escravizado por um sistema injusto.
Em nenhum momento os grevistas ameaçaram o patrimônio físico das refinarias. Quem ameaçou e está pisoteando o maior patrimônio da nação -o trabalhador- é o próprio governo.

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