São Paulo, terça-feira, 6 de junho de 1995
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Herança da escravatura

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA - Meu vizinho de cima, Clóvis Rossi, escreve hoje artigo crítico sobre considerações que fiz ontem neste espaço, a partir de entrevista de Mário Henrique Simonsen. Discordo.
Discordo, mas sinto-me obrigado a ponderar. É uma argumentação brilhante e honesta -honesta porque ele é um jornalista independente, sempre mantendo distância profissional de grupos políticos e empresariais. Por conhecê-lo há muito anos, sei que seu único lobby é o leitor, seu único contrato é a busca da verdade.
Ele, porém, está certo na constatação, mas equivocado na conclusão. De fato, a inflação alta não interessa ao empresariado -e os números que ele apresenta são ilustrativos. Não há dúvida de que crescimento econômico sólido ocorre apenas com estabilidade do valor do dinheiro.
O problema é que, no geral, a busca do lucro fácil e de curto prazo produz obtusidade no empresariado -ou seja, querem faturar o que mais puderem no menor tempo possível. E, na sua obtusidade, acabam conspirando contra seus interesses de longo prazo.
Daí o perigo da campanha contra os juros, movida por poderosos lobbies dentro e fora do Congresso -baixa-se a taxa, obtém-se agora algum alívio, mas, em pouco tempo, paga-se a conta. Os juros são apenas um detalhe.
Qualquer indivíduo com um mínimo de informação sabe que a melhoria do ensino básico é, hoje, com a revolução tecnológica, fator decisivo de prosperidade econômica. Explica-se, aí, em parte, o desempenho de países como a Coréia do Sul, Alemanha, Japão, Taiwan.
Existem boas iniciativas empresariais no apoio ao ensino básico -inclusive bancadas pela Fiesp. É, porém, uma migalha do que seria necessário.
A essência da questão é: não conseguimos nos libertar de nossa herança escravagista, e as elites se comportam, muitas vezes, como colonizadores estrangeiros, tamanho seu descompromisso com a cidadania.
PS - Não venham me dizer que capitalista é tudo igual. Não é. Está, aí, por exemplo, um Antônio Ermírio de Moraes que, sem ganhar um tostão, administra um hospital; um José Mindlin que estimula produção cultural; ou um José de Carvalho, na Bahia, que gasta boa parte de seus rendimentos na manutenção de escolas para carentes.

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