São Paulo, sexta-feira, 9 de junho de 1995
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A globalização da economia e a crise dos Estados nacionais

ANTONIO CARLOS MAZZEO; FRANCISCO LUIZ CORSI

ANTONIO CARLOS MAZZEO e FRANCISCO LUIZ CORSI
A recente crise do México, que acarretou o controle direto da economia daquele país pelos EUA, pôs a nu a fragilidade do Estado-nação e das economias nacionais. Imediatamente, outros países latino-americanos, em especial a Argentina e o Brasil, sentiram o impacto dessa crise. Seus programas de estabilização inspirados no receituário neoliberal tremeram quando o fluxo de capitais, sobretudo os de caráter especulativo, no qual em boa medida estão baseados, declinou abruptamente, mostrando a vulnerabilidade de suas economias. A própria tentativa desses países de atrelar suas moedas ao dólar demonstra a perspectiva de debilitação da soberania nacional.
Embora essa crise atinja imediata e agudamente os países subordinados, não podemos dizer que é uma característica limitada à periferia do capitalismo. Países de economias desenvolvidas e fortes também parecem se curvar ante o movimento de globalização do capitalismo.
A partir dos anos 50, verificou-se o aprofundamento da internacionalização da economia capitalista. Desencadearam-se forças que acabariam, mais tarde, constituindo uma economia verdadeiramente global e não uma mera soma de economias nacionais articuladas, num processo que adquire velocidade vertiginosa nas duas últimas décadas e que também põe em xeque o Estado nacional. Já nos anos 70, temos a intensificação da concentração de capitais em escala mundial, permitindo uma grande expansão de oligopólios internacionais, que se constituíram em verdadeiros blocos privados atuantes em diversos setores da economia e em diversas regiões do planeta.
Como resultado dessas alterações estruturais, vemos, em todos os países capitalistas, a incapacidade de assegurar um crescimento próximo ao pleno emprego, a crise fiscal do Estado, a desregulamentação da economia, as privatizações, a crise do ``welfare state" etc., fatos que expressam, entre outros aspectos, as crescentes dificuldades dos Estados em controlar suas economias nacionais.
Os mercados financeiros internacionais e a desregulamentação recente do sistema bancário constituem-se na alavanca da globalização da economia, formando um sistema internacional não subordinado ao controle de governos e que movimenta bilhões de dólares por dia (aproximadamente US$ 900 bilhões) em todo o mundo, auxiliado pelo avanço das telecomunicações e da informática -que permitiu a integração dos mercados financeiros do planeta, possibilitando a transferência imediata de vultosos montantes de capital de um centro financeiro a outro.
O capital sofre um processo crescente de desterritorialização com o mercado financeiro global. Esse processo complexo abre a possibilidade de profundas alterações nas formas de sociabilidade capitalista, obrigando, inclusive, a redefinição dos Estados nacionais, na medida em que o processo de integração econômico-financeira envolve diversos países que acabam constituindo blocos econômicos transnacionais, como demonstram a CEE, o Nafta e o Mercosul. Nesse sentido, a internacionalização da produção e dos mercados financeiros e a liberalização do comércio diminuem sobremaneira a capacidade de os Estados controlarem, por meio de políticas macroeconômicas, suas economias.
As políticas keynesianas, que garantiram, de certo modo, um crescimento com pleno emprego após a Segunda Guerra Mundial, e o Estado benfeitor -frutos das pressões do movimento dos trabalhadores e do medo, por parte das classes dominantes, da possibilidade de uma revolução socialista- estão em crise neste novo contexto. Também o fim do bloco socialista e a crise do movimento sindical possibilitam ao capital imprimir políticas neoliberais como ``alternativas" para a crise.
A adoção de políticas econômicas de cunho ortodoxo tornou-se norma, embora não tenha significado a completa desregulamentação da economia, como gostariam os neoliberais mais exaltados, na medida em que o movimento dos trabalhadores, mesmo vivendo profunda crise de paradigmas, vem se contrapondo em todo o mundo às tentativas de desmonte das conquistas sociais, como demonstram as lutas pela manutenção da previdência pública, pelo ensino público, pela saúde pública, contra as privatizações etc.
Finalmente, gostaríamos de ressaltar que o processo de integração da economia põe em pauta um outro elemento extremamente importante; isto é, se, de um lado, a globalização internacionaliza a burguesia, questionando a permanência de políticas econômicas nacionais e, consequentemente, a existência dos Estados nacionais, apontando a tendência de que os Estados-nações perderam seu lugar na história, temos, de outro, a perspectiva de que também o movimento dos trabalhadores adquire uma estatura efetivamente internacional, já que objetivamente, com uma economia globalizada, as reivindicações passam a ter caráter internacional, com possibilidades de plataformas políticas de lutas e reivindicações unificadas.

ANTONIO CARLOS MAZZEO, 45, é professor do Departamento de Ciências Políticas e Econômicas da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp (Universidade Estadual Paulista). É autor de ``Burguesia e capitalismo no Brasil" e ``Estado e burguesia no Brasil".

FRANCISCO LUIZ CORSI, 36, é professor do Departamento de Ciências Políticas e Econômicas da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp e autor de ``Os rumos da economia brasileira ao final do Estado Novo".

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