São Paulo, sexta-feira, 9 de junho de 1995
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Filmes estream com gosto de anos 40 e 50

``Inocente" e ``Surpresas" carregam no ``dejá vu"

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Filme: O Inocente
Produção: EUA, 1994
Direção: John Schlesinger
Elenco: Isabella Rossellini, Campbell Scott, Anthony Hopkins
Onde: Paulista 1, Morumbi 1, Belas Artes/sala Villa-Lobos, Ipiranga 1

As duas principais estréias cinematográficas desta semana não precisam da crítica, mas de um geriatra.
Embora recém-saídos do forno, ``O Inocente" e ``Surpresas do Coração" são duas autênticas velharias, esteticamente esclerosadas. Parecem filmes dos anos 50. Ou seria dos anos 40?
``O Inocente" chega ao cúmulo de copiar ``Casablanca". Ainda mais descarado, ``Surpresas do Coração" recicla mal clichês de ``A Fonte dos Desejos", ``O Candelabro Italiano" e outras ``euroescapadelas" românticas dos idos de Gidget e Sandra Dee.
``O Inocente" tem uma desculpa meio esfarrapada: a história se passa na década de 50 e revolve traumas que remontam à Segunda Guerra Mundial. E uma base mais sólida: o romance de Ian McEwan, traduzido pela Rocco há três anos.
Mas o velho e superestimado John Schlesinger, que há duas décadas não faz nada que preste, esmerou-se em reduzí-lo a um ``thriller" político vira-lata.
Berlim, meados da década de 50, auge da Guerra Fria. Na destroçada e dividida capital alemã, a espionagem campeia.
Os americanos constroem um túnel subterrâneo para ter acesso à fiação telefônica dos soviéticos e contratam um técnico em eletrônica inglês, Leonard Marnham (Campbell Scott), para grampear as conversas do novo inimigo.
Leonard tem apenas 25 anos, nunca foi para a cama com uma mulher, e irá aprender todos os segredos de uma alcova com Maria (Isabella Rossellini), uma alemã mais velha e divorciada de um herói de guerra nazista.
Leonard é ``o inocente". Não tem a grandeza, só a ingenuidade, do protagonista de ``O Americano Tranquilo", de Graham Greene.
Maria, por sua vez, só na aparência física consegue lembrar a Ilse Lund de ``Casablanca". O outro vértice do triângulo é o americano que cuida do túnel, Bob Glass (Anthony Hopkins).
Despedida em aeroporto? Tem. (A única diferença é que ela fica e ele pega o avião). Musiquinha de fundo? Claro. O ``As Time Goes By" de ``O Inocente" é uma velha canção alemão que Nat King Cole levou às paradas em 1954: ``Answer Me, My Love".
O forte da trilha sonora, contudo, são, como no livro, os rocks da época: ``Shake, Rattle and Roll", ``Maybellene" etc.
Mas é um tema (``Too Darn Hot") que Cole Porter compôs para ``Kiss Me Kate" que nos proporciona o único bom momento do filme. É uma vinheta, envolvendo uma patética cantora míope, que se recusa a cantar de óculos e sai do palco tateando o vazio.
Ao contrário do livro, que termina com uma coda ambientada em junho de 1987, o filme começa com o desmonte do Muro de Berlim e engrena um flashback com o que realmente interessa.
Aos poucos, à sombra de Greene se sobrepõe a de John Le Carré. Até que, finalmente, um assassinato, seguido de esquartejamento, acrescenta à intriga as angústias que ``O Sol Por Testemunha" bebem em Patricia Highsmith.
Exagerando nos gestos, no sotaque -e até na volúpia com que besunta seu prato com ketchup-, para parecer um americano típico, o britânico Anthony Hopkins é um show à parte. De canastrice.
Só não está mais ridículo que Meg Ryan em ``Surpresas do Coração", que aliás foi bancado pela atriz, através de uma produtora estranhamente chamada Prufrock.
Para que homenagear T.S. Eliot (e, numa canção de fundo, Paul Verlaine) com uma comédia tão fuleira?

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sobre as estréias do fim de semana à pag. 5-4.

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