São Paulo, sexta-feira, 9 de junho de 1995
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Por quê?

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - Parece que, no mundo neoliberal, aos derrotados não se concede nem sequer o direito a um julgamento isento, imparcial.
Tome-se o caso dos petroleiros. Disseminou-se como fogo em palha seca a tese de que a greve que eles promoveram ajudou na aprovação da quebra do monopólio. Os petroleiros foram condenados sem direito nem sequer a um instante de reflexão para ver se é verdadeira a suposição. E pode não ser.
Primeiro: a emenda aprovada nem elimina o direito de greve nem acaba com a figura do petroleiro. Imaginemos, portanto, que todas as refinarias sejam privatizadas e, não obstante, os petroleiros entrem em greve. Suponhamos, ainda, que a greve se prolongue por um mês.
Muito bem: nessa hipótese, não inviabilizada pela emenda agora aprovada, deixaria de faltar combustível? Claro que não, a menos que a iniciativa privada tenha se aperfeiçoado tanto que sob sua gerência a gasolina brote espontaneamente das flores dos jardins, dos postes das ruas, do estrume das vacas no pasto.
Ponto dois: a greve e consequente falta de combustível aconteceu porque a Petrobrás é um monopólio? Não. Greves ocorrem em monopólios, oligopólios e setores francamente abertos à concorrência.
Ponto três: a greve aconteceu porque a Petrobrás é estatal? Não. Greves acontecem também no setor privado. Tanto que as mais famosas, até a dos petroleiros, haviam sido a dos metalúrgicos de Osasco e Contagem (1968) e a dos metalúrgicos do ABC paulista (de 78 em diante), para não recuar muito no tempo.
Ponto quatro: por que ninguém se animou a propor a quebra do monopólio do ensino público quando houve a greve dos professores, faz tão pouco tempo? Ah, claro, nunca houve monopólio do ensino público. Não obstante, professores fazem greve (na rede pública e também na particular), com os inconvenientes sabidos.
Parece que, no mundo neoliberal, pouca gente se anima a perguntar o porquê das verdades definitivas que nele se tecem. Embarca-se nelas em bovina mansidão.

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