São Paulo, sábado, 10 de junho de 1995
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Travesti lança 'memórias do cárcere'

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

Chega esta semana às livrarias do país a autobiografia do paraibano Fernando Farias de Albuquerque, mais conhecido nas ruas de Roma como Fernanda ou Princesa.
O livro é resultado do encontro de Fernanda com Maurizio Jannelli, ex-integrante do grupo terrorista Brigadas Vermelhas, na prisão de Rebibbia, na capital italiana.
Condenado a duas penas de prisão perpétua por suas ações nos anos 70, Jannelli colocou no papel as memórias de Fernanda, desde a sua infância sem pai no interior da Paraíba até a sua prisão no centro da Itália, em 1990, após uma frustrada tentativa de homicídio.
``A Princesa - Depoimentos de um travesti brasileiro a um líder das Brigadas Vermelhas" (editora Nova Fronteira) é lançado no Brasil 18 meses após sua publicação original, pela editora Sensibili Alle Foglie (Sensíveis às folhas).
A editora é dirigida por Renato Curcio, um dos fundadores das Brigadas Vermelhas.
Em 1994, quando ``Princesa" chegou às livrarias italianas, Fernanda cumpria em regime de semi-liberdade uma pena de seis anos por ter dado três facadas na dona da pensão onde morava.
Fernanda passava o dia trabalhando como secretária na editora de Curcio e retornava à noite para dormir no presídio.
Em setembro de 94, a menos de um ano de ser libertada, Fernanda resolveu fugir. Não voltou ao presídio e caiu na vida.
Em 15 dias, o travesti foi detido. Mas, em vez de voltar para a prisão, a Justiça italiana preferiu expulsá-lo do país.
Fernanda passou dois meses no Brasil, reviu a família em Campina Grande e, em novembro, mais uma vez viajou para a Europa.
Aos 32 anos, o travesti vive hoje em situação ilegal em uma cidade européia. A Folha não conseguiu localizá-lo esta semana.
No livro, Fernanda conta que começou a se prostituir aos 18, em Recife. De lá foi a Natal, depois para Salvador, Rio e São Paulo.
Em todas essas cidades, Fernanda narra ter sido testemunha de muita violência e, até, de alguns assassinatos de travestis.
Aos 22 anos, se submete a duas dolorosas aplicações de silicone líquido nos quadris e implanta próteses de silicone nos seios.
Após as cirurgias, vai à praia de biquíni e acha que é uma mulher.
Toma diariamente quatro comprimidos de um medicamento receitado a mulheres com sintomas de menopausa. O remédio atrofia os testículos do travesti.
Com 25 anos, convicta de que na Europa se ganha muito dinheiro e não se corre o risco de morrer violentamente, Fernanda estréia nas ruas de Madri. Em sua primeira noite, um fenômeno: atende 32 clientes.
``Não é fácil imaginar. Difícil realmente. Foi meu recorde pessoal. Estava fresca de Brasil e isso dizia alguma coisa aos clientes."
Fernanda trabalha muito -e ganha muito: US$ 40 o programa no carro; US$ 150, no hotel. Em poucos meses, junta US$ 10 mil. Sonha voltar ao Brasil com o dobro disso.
Mas, na Itália, Fernanda sente os rigores do inverno e aprende como não sentir frio passando horas na rua só de calcinha e um casaco de pele sintética: com heroína.
A droga, adotada pela maioria dos travestis brasileiros radicados na Europa, marca o início da decadência de Fernanda.
Ao ser presa, em 90, Princesa descobre que é portadora do vírus da Aids. Até hoje, os sintomas da doença não apareceram.
O lançamento original do livro levou Fernanda aos principais jornais e emissoras de TV italianos.
``Princesa" rendeu a montagem de um monólogo, encenado em algumas cidades da Itália, e deve virar um filme de longa-metragem.
O cineasta brasileiro Henrique Goldman, radicado na Europa há nove anos, adquiriu os direitos cinematográficos da obra.
Autor de alguns documentários para televisão, como ``Os Judeus na Amazônia" (1990), Goldman no momento vive em Londres, onde escreve o roteiro do filme e tenta viabilizar a sua produção.

Livro: ``A Princesa"
Autor: Fernanda Farias de Albuquerque e Maurizio Janelli
Tradução: Elisa Byngton
Preço: R$ 13,00 (164 págs.)

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