São Paulo, sábado, 10 de junho de 1995
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O renovado Zagallo, só para inglês ver

MATINAS SUZUKI JR.
EDITOR-EXECUTIVO

Meus amigos, meus inimigos, o império britânico do fut tenta restabelecer a sua credibilidade internacional amanhã contra a nova formação proposta pelo velho Lobo do futebol Zagallo.
(Enquanto isto, as bruxas por aqui em intenso varre, varre, vassourinha: o Corinthians perdeu, o Palmeiras perdeu, o Santos perdeu e o São Paulo perdeu. Quem ganhou? A Lusa, com certeza.
O novo sebastianismo do Canindé, as caravelas do navegar é preciso, com o futebol taticamente fino que lembra o vestido rendado -a perfeição segundo o mais que perfeito João Gilberto.
Que da praia lusitana à beira do Tietê se alevanta a caravela do descobridor Candinho, e isto nos dá um ar de fado (contra o enfado do fut paulista) do Marcineiro -quem não ouviu, que "ouva".
Aliás, o futebol ultramarino navega pelos sete mares como uma força: os jogadores de Portugal estão se dando bem na Europa e as forças camonianas ganharam o Europeu under-16, pois, pois.)
Mas a questão, como se dizia lá em cima, na abertura deste espetáculo, é saber se o ingleses são ou não são mais no futebol. Esta é a tônica da partida de amanhã na cancha histórica de Wembley.
Se o seu ponto de vista é literário, não há lugar melhor no planeta fut: os ingleses fazem do esporte uma experiência ampla, vivencial, etílica, destrutiva, épica, de conhecimento, ficcional.
Não há outro país no mundo com tanta letra derramada sobre o assunto futebol. Ali se editam os livros sobre técnica e tática, sobre a epistemologia do chamado futebol científico, que ele há.
Ali se edita uma babel da magazines e, sobretudo, livros, brochuras, volumes sobre o esporte que é chamado de bretão. A paixão inglesa pelo futebol não é hegemonicamente verbal, caso latino.
Não há erotismo sem verbo, como dizia Julio Cortázar. À volúpia futebolística latina, à luxúria da qualidade técnica dos jogadores, corresponde uma exaltação, uma orgia, um orgasmo verbalizador.
Nos amantes britânicos da bola, existe a mediação da palavra escrita e da tentativa de um conhecimento mais racional do futebol, em contrapartida a um futebol menos erótico e mais esquemático.
O livro "My Favourite Year" (Meu Ano Favorito), organizado por Nick Hornby (Witherby, 224 págs.), é um grande testemunho da literatura-fut inglesa.
Quase um fanzine de fanáticos, viciados, devotos do jogo da bola, ele faz um relicário de letras trash, de retórica de torcedor, dos melhores anos de alguns times praticamente inexpressivos.
Os autores? Veja só um exemplo: "Harry Pearson é desempregado e vive sozinho. Quando não vê futebol, ele lê livros sobre medicina ou fica polindo sua coleção de membros artificiais".
Ele escreveu sobre a temporada 1990/91 do time do Middlesbrough. Torcer para o Boro, diz Pearson, é reatualizar o ditado chinês que diz: ``talvez você não viva em tempos interessantes".
Mas eu queria dizer que o antigo império britânico ruiu para o futebol internacional e tenta amanhã sua vingança contra os poderes do novo mundo.
Os ingleses são bons atores.

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