São Paulo, sábado, 10 de junho de 1995 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
Zacharias congela Steinway do Municpal
LUÍS ANTÔNIO GIRON
Talvez por ter chegado naquele dia de Buenos Aires, Zacharias realizou um recital tão sem emoção que chegou a congelar o piano Steinway novinho em folha do teatro. As cordas do instrumento soaram quebradiças pelos dedos longos do pianista. Simpático, o artista concedeu seu bis obsessivo, uma sonata de Domenico Scarlatti. Mas o público de assinantes do Mozarteum o aplaudiu com uma indiferença bem maior que a habitual. A única agitação demonstrada por ele foi no programa. Ele o tocou de trás para frente, criando, assim, animação em quem acompanhava o livreto entre bocejos. Iniciou pela ``Humoreske em Si Maior Op. 20", do alemão Robert Schumann (1810-1856). Emendou com as ``Cenas Infantis Op. 15", do mesmo compositor. São peças minúsculas que climatizam sensações fugazes, como o medo e a nostalgia. É composição romântica, datada de 1838. Pois o pianista a converteu em momentos cuja nostalgia só pode ser a do telégrafo. Conteve tanto a emoção que os dados expressivos se dissolveram no ruído surdo do veludo nos martelos. Trouxe na segunda parte os ``Doze Prelúdios, Vol. 1", do francês Claude Debussy (1862-1918). Outra ciclo atmosférico, desta vez moderno, em que o compositor tenta passar dados extramusicais, paisagísticos, como ruído do vento e passos na neve. Novamente Zacharias digitou a obra com o ímpeto de um analista de sistemas. O som parecia escrito, não tocado, muito menos interpretado, apesar da grande técnica do artista. Palco e platéia pareciam imersos numa névoa. Estavam com a sensibilidade anestesiada. A função do artista talvez seja quebrar esse gelo. Zacharias o fez crescer. Texto Anterior: Lulu Santos faz show único em SP Próximo Texto: 'Cafajestes' traz sarcasmo da nova Bahia Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |