São Paulo, sábado, 10 de junho de 1995
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Americano expõe todas as faces de Malraux

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

``Se Malraux estivesse vivo, provavelmente estaria na Bósnia, o que eu não sei se seria bom para ele, nem para a Bósnia." A frase é do Curtis Cate, 71, cidadão norte-americano e autor da mais completa biografia do escritor, crítico, político e aventureiro francês André Malraux (1901-76).
Com o singelo título ``Malraux", a minuciosa obra, publicada no ano passado na Inglaterra e na França, será lançada no Brasil no final de junho pela editora Scritta.
Cate, que levou três anos na pesquisa e redação do livro, falou à Folha por telefone de seu apartamento em Paris, cidade onde nasceu e para onde voltou em 1958.

Folha - Em seu livro, o sr. não parece tão interessado no escritor quanto no homem Malraux.
Curtis Cate - Se você olha para a vida de Malraux, vê que ele começa se interessando simultaneamente por arte e literatura, se torna um editor, crítico de arte, viaja à China e ao Camboja, é preso como ladrão de relíquias, vira um jornalista engajado etc.
Ele faz umas seis coisas diferentes antes de escrever sua primeira obra de ficção, ``Os Conquistadores"(1928). Ou seja, em Malraux a ação sempre precede a literatura.
Folha - Foi muito difícil para o sr. escapar à sedução de seu personagem e conseguir um certo distanciamento crítico?
Cate - Quando você diz que consegui escapar do magnetismo de Malraux eu concluo que meu livro não soa como uma hagiografia (biografia de santo), que é a pior forma de biografia.
No capítulo 37, sobre arte, eu me vi tendo que escolher entre Ernst Gombrich -que era um grande historiador da arte- e Malraux, e eu escolhi Gombrich.
Tive problemas aqui em Paris por causa disso. Um crítico literário, André Bancour, que era editor do ``Figaro Litteraire" e considerava Malraux sua propriedade pessoal, me atacou porque, para ele, o grande Malraux é o que escreve sobre arte. Discordo totalmente.
Folha - Como o sr. vê a metamorfose de Malraux, de revolucionário em braço direito do conservador Charles De Gaulle?
Cate - Malraux, antes de tudo, era um patriota. Durante a Ocupação nazista, ele queria se juntar a De Gaulle, mas na época não deu certo. Depois, ele foi introduzido no círculo dos amigos de De Gaulle e se tornou um gaullista.
Não considero isso uma traição, porque nos meses finais da Ocupação havia uma chance real de os comunistas tomarem o poder.
Levado, por suas simpatias gaullistas, a ver as coisas sob uma luz diferente, Malraux se tornou um nacionalista, um anticomunista -graças a Deus, porque Deus sabe o que aconteceria com este país se os comunistas tivessem chegado ao poder em 1945 ou 46.
Folha - Como Malraux veria hoje a unificação européia?
Cate - Para ele a maior riqueza da Europa era a diversidade -e isso é uma coisa que os burocratas em Bruxelas tendem a esquecer.
Acho que Malraux não seria propriamente contra o ideal europeu (pois, diferentemente de De Gaulle, ele não era antibritânico), mas seria contra qualquer tentativa de suprimir a diversidade

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