São Paulo, sábado, 10 de junho de 1995
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Evangelização e promoção humana

LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

Jesus Cristo veio para nos dar a vida plena, chamando-nos à comunhão, com Deus e entre nós. O anúncio da Boa Nova do amor de Deus por nós e a promessa da vida eterna não seriam completos se não incluíssem a promoção pessoal e social de seus filhos.
Nasce daí o ensinamento constante da igreja, mostrando o vínculo entre evangelizar e promover a pessoa humana. A palavra de Paulo 6º (Evangelii Nuntiandi, 31) expressa com clareza esses laços profundos. Laços de ordem antropológica, uma vez que o homem a evangelizar não é um ser abstrato, mas é condicionado pelos problemas sociais e econômicos. Laços de ordem teológica, dado que não se pode dissociar a criação do plano da redenção, que chega até a situações concretas de injustiça a combater e da justiça a restaurar. Laços de ordem evangélica, qual o da caridade: como proclamar, com efeito, o mandamento novo, sem promover, na justiça e na paz, o verdadeiro e autêntico desenvolvimento do homem?
O Evangelho nos mostra como Jesus, divino mestre e bom samaritano, revelou a dignidade da pessoa humana e a solidariedade com os mais fracos e pobres. Lutou contra os abusos do poder e a cobiça dos ricos, alheios aos sofrimentos dos famintos, denunciou a hipocrisia e as injustiças, ensinou que a autoridade deve ser assumida como serviço. Declarou a fraternidade entre todos, homens e mulheres, independentemente de raça, condição social ou cultura.
O campo próprio de ação da igreja nas questões econômicas, sociais e políticas não é técnico, mas refere-se às exigências éticas da mensagem evangélica, procurando garantir o respeito aos direitos que promanam da dignidade da pessoa humana. Sirva de exemplo o ensinamento de Paulo 6º (Populorum Progressio, 21) reafirmado, 20 anos mais tarde, em 1987, por João Paulo 2º (Laborem Exercens) sobre o desenvolvimento integral e solidário, que deve, portanto, promover a passagem de condições ``menos humanas a mais humanas". Menos humanas: a miséria material e moral, as estruturas opressivas, nascidas do abuso da posse e do poder, a exploração dos trabalhadores, a injustiça das transações. Entre as mais humanas, sublinha: a subida da miséria à posse do necessário, a aquisição de cultura, a cooperação para o bem comum, a vontade da paz. E acrescenta as ``ainda mais humanas": o reconhecimento de Deus, fonte dos valores supremos, a fé, a unidade na caridade de Cristo, que chama todos a participar, enquanto filhos, na vida de Deus vivo.
À luz dessa convicção de que a igreja tem de promover os direitos humanos como parte de sua missão salvífica, a exemplo de Jesus, precisamos assumir o compromisso com os excluídos. A Campanha da Fraternidade deste ano resume o mandamento do amor e da misericórdia e questiona a nossa consciência diante de Deus. Não se trata apenas de algum gesto generoso para com o pobre ao nosso lado. Isso é indispensável. Temos que ir mais longe e cooperar para que haja leis justas e decisões políticas adequadas, capazes de saciar as multidões de famintos e mendigos, dos sem terra e sem casa, sem trabalho e assistência médica. A erradicação da miséria, nesta virada do século, será assim sinal de evangelização e da presença do reino de Deus em nosso Brasil e no mundo.

D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.

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