São Paulo, quinta-feira, 15 de junho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

As voltas da Justiça

JANIO DE FREITAS

Nova modalidade de ganhos assombrosos das grandes empreiteiras, como sempre às custas dos cofres públicos, já recebeu esquisita aprovação do Judiciário e só depende agora, para estrear com a entrega de quase R$ 2 bilhões extras à Construtora Mendes Jr., da confirmação pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco.
Consiste a manobra na cobrança de juros de mercado aplicados aos atrasos de pagamento por órgãos públicos. Acontece que os preços absurdos das obras são explicados pelas empreiteiras como decorrência da inclusão, neles, de compensações para a demora dos recebimentos. Isto é só arremedo de verdade, porque os acréscimos excedem de muito, com frequência em mais de 100%, o que seria um preço razoável (estimado, seja pelas tabelas de custo da engenharia, seja pelos preços internacionais). Por isso mesmo, os contratos, em geral, não estabelecem juros por atraso de pagamento, seja qual for o atraso.
Foi o caso do contrato para a obra, pela Mendes Jr., de terraplenagem e estruturas de concreto da Hidrelétrica de Itaparica, em Pernambuco, no valor de aproximadamente R$ 1,7 bilhão. Neste valor, 60% são consideráveis como acréscimo aos 40% de custo real, com aumento do preço, portanto, de 150%. Apesar disso, a Mendes Jr. entrou com ação judicial cobrando juros -e não juros oficiais, mas juros de mercado, os juros da especulação- e ressarcimento de encargos financeiros pelo período em que teria financiado a obra, alegadamente com recursos de empréstimos.
Cobrou, mas não levou. Em vista da contestação da Chesf, Centrais Hidrelétricas do São Francisco, demonstrando inexistir no contrato o compromisso de juros, o juiz da 4ª Vara Cível de Recife, Eloy d'Almeida Lins, julgou a ação improcedente. Os desembargadores Itamar Pereira e Benildes Ribeiro, porém, conduziram o Tribunal de Justiça pernambucano a acatar a cobrança da Mendes, admitindo até os juros de mercado.
A Chesf apelou para o Superior Tribunal de Justiça, que admitiu fosse a ação da Mendes submetida a julgamento posterior, mas desde logo repeliu a cobrança de juros de mercado. A esta altura, em três instâncias da Justiça já havia três decisões diferentes. Cada qual com a demora própria do Judiciário brasileiro. A quarta, três anos e seis meses depois da terceira, é a mais interessante.
Com base na autorização do STJ, a Mendes entra com nova cobrança na mesma 4ª Vara. Mas, sabe-se lá por quê, não mais alega a captação de recursos financeiros no mercado, com que teria financiado a obra. Afirma que o fez com dinheiro próprio. E o mesmo juiz Eloy d'Almeida Lins, que recusara a cobrança logo de saída, desta vez sentencia que a estatal deve pagar R$ 1,556 bilhão à Mendes. E não só isto. Também honorários advocatícios de ``20% sobre o valor da condenação, tendo em vista, inclusive, o trabalho profissional e a dificuldade ideológica que a discussão ensejou a todos nós que dela participamos". Ou seja, o próprio juiz se põe entre os que ``justificam" o pagamento, pela Chesf, de R$ 311,3 milhões a um advogado por uma causa.
É por estas e muitas outras que o controle externo do Judiciário é indispensável, se é que os cidadãos merecem perceber alguma identificação entre Judiciário e Justiça. Antes que isso aconteça, presumindo-se que um dia acontecerá, já todas as empreiteiras terão seguido as pegadas da Mendes, caso o Tribunal de Justiça de Pernambuco confirme a sentença duas vezes bilionária e destinada ao pagamento, outra vez, do que já estava no preço inicial da obra.

Texto Anterior: Frase de Menem sobre salário irritou Itamar
Próximo Texto: Malan, Serra e Cavallo se reúnem para discutir limite
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.