São Paulo, quinta-feira, 15 de junho de 1995
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A volta do fantasma da Cepal

LUÍS NASSIF

A decisão do governo de instituir cotas de importação para o setor automobilístico é retrocesso claro. E não se deve ao fato de o ministro José Serra ser paulista, ou de a ministra Dorothéa Werneck ser mineira, como sugerem alguns desses inacreditáveis comentários que volta e meia pipocam na mídia, brilhantes como a luz do abajur lilás.
Um setor como o automobilístico -que responde por 10% do PIB- afeta a economia como um todo. E há a necessidade premente de se definir uma política industrial clara, de longo prazo, que estimule os investimentos no setor.
A questão é que o caminho escolhido não foi o melhor. Baseia-se numa visão cepalina (da Comissão Econômica para a América Latina) da história, que se supunha erradicada pelas modernas teorias de política industrial, mas que ainda frequenta o imaginário do ministro José Serra.
Por esta visão, o mercado interno constitui-se em fator estratégico de uma nação. Para abri-lo ao exterior, exigem-se contrapartidas da parte dos investidores externos, em troca de proteção aos que aqui se instalarem.
Trata-se de uma posição legítima, porém anacrônica; uma reedição amenizada dos mesmos conceitos que levaram à reserva de mercado da informática e quetais.
Ambiente competitivo
As modernas teorias de política industrial definem dois pontos essenciais de competitividade para um país. De um lado, a criação do ambiente econômico eficiente -como infra-estrutura, mão-de-obra especializada etc.
De outro, um sistema competitivo vigoroso, onde o grande fator de aprimoramento dos produtos internos seja o grau de exigência do consumidor nacional. O nível de exigência só pode ser efetivo se o consumidor dispuser de parâmetros e alternativas de produtos estrangeiros.
Portanto, o correto -ainda que incompleto- era o caminho original, trilhado pelo primeiro programa de abertura da economia. Abriu-se o mercado à competição externa, dotou-se o consumidor de leis e códigos de defesa e organizaram-se setores em torno de câmaras setoriais. Sem paternalismo e sem privilégios setoriais.
O segundo tempo do jogo deveria começar agora, com a redução do chamado ``custo Brasil" e a criação de instrumentos de financiamento e investimento.
Mas o processo acabou atropelado por dois erros fundamentais. O primeiro, a extraordinária irresponsabilidade dos técnicos do governo que no ano passado arrebentaram a política cambial e passaram por cima do cronograma de redução tarifária acordado em 1990.
Suas decisões trouxeram de volta o fantasma dos desequilíbrios comerciais, que poderia ser facilmente enfrentado com a adoção de alíquotas provisórias de importação. Em vez disso, definiram-se regras definitivas até 1999, de claro protecionismo a um segmento da indústria, dentro desse subdesenvolvimento institucional que caracteriza o país -no qual o poder de argumentação de um ministro é suficiente para transformar qualquer política definitiva em provisória e vice-versa.
Novo script
A ministra Dorothéa Werneck, que foi a grande propagandista do modelo original -de tão efetivos resultados- demonstrou mais uma vez que aceita qualquer script que se lhe apresente.

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