São Paulo, quinta-feira, 15 de junho de 1995
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Amazônia, velhos problemas e antigos argumentos

AFFONSO BRANDÃO HENNEL

A ZFM foi criada pelo decreto-lei 288, com o objetivo de promover a integração econômica e assegurar a soberania nacional sobre uma região que representa 50% da área do país e abriga riquezas tais que a tornaram objeto da cobiça internacional.
O método instituído pelo decreto-lei 288 para tal objetivo consistiu, e consiste ainda, na concessão de incentivos fiscais para estimular a instalação de indústrias na região. Na prática, uma vez aprovado o projeto, ocorre, na sua fase inicial, um deslocamento parcial de indústrias oriundas de outras regiões; com o passar do tempo, há um gradual aumento de produção, ou seja, um gradual aumento do deslocamento. Na fase posterior, muitas vezes projetos novos são implementados pelas próprias indústrias e novos produtos lançados a partir da Zona Franca. Pode-se dizer que este deslocamento, em muitos casos, atingiu altas percentagens, tendo sido de 100% no caso de eletrônicos e motocicletas.
O grande acerto do decreto-lei que instituiu a Superintendência da Zona Franca consistiu em não transferir para as empresas os impostos recolhidos pelo governo como subsídios com a finalidade de capitalizá-las, como ocorreu em projetos administrados por outras superintendências, resultando em alta incidência de fracassos e enormes prejuízos para o país. No caso da Zona Franca, após a aprovação do projeto, o investimento total e o risco são do empreendedor, que apenas após iniciar, manter e/ou ampliar a produção dos bens aprovados recebe incentivos.
Pode-se afirmar que a Amazônia foi, ou continua sendo, pólo exportador de produtos tais como borracha, juta, madeira, peles e animais silvestres não proibidos, produtos florestais outros e, mais recentemente, minerais. O decreto-lei 288 não concebeu a Zona Franca como pólo exportador; os produtos hoje lá fabricados, que não eram exportados a partir do sul, permanecem igualmente não sendo exportados da Zona Franca. Como em suas regiões de origem, as indústrias que se instalaram na Zona Franca continuaram voltadas para o mercado interno, isto é, continuaram suprindo o mercado interno e importando para a Zona Franca o que importariam ou importavam funcionando no Sudeste.
Esta é a atual situação do parque industrial e da maioria dos produtos fabricados na Zona Franca. Tem-se buscado com muito entusiasmo, mas sem muito sucesso, a fantasia de exportar produtos que já nas suas origens não eram viáveis para a exportação, e tem-se atribuído às empresas da Zona Franca, pelo seu escasso ímpeto exportador, a responsabilidade por este insucesso.
A mesma fantasia de aproveitar uma supostamente ilimitada e abrangente eficiência empresarial ocorreu com o pólo agrícola, quando se tentou transformar empresários da indústria em agricultores pouco entusiasmados. Os agricultores de verdade de todas as regiões do país, os que poderiam fazer o que se pretendia, não foram atraídos e talvez nem cogitados como instrumentos do desenvolvimento na Amazônia.
Agora temos a situação inversa com relação à eficiência empresarial: temos um contingenciamento que, ressurgido, sufoca a produção e frustra, em grande parte, o objetivo de desenvolvimento regional. Sua distorção mais evidente é que, reduzindo-se a importação de componentes para fabricação de bens finais, reduz-se também a oferta de manufaturados no país.
Restringir a importação através da imposição de tarifas infladas sobre manufaturados é solução algo onerosa, econômica e politicamente. Restringir a própria aquisição de insumos, porém, é muito mais grave, pelos seus múltiplos efeitos perniciosos, tais como afetar a criação e a estabilidade de empregos existentes, reduzir o nível de utilização dos investimentos já feitos, congelar os planos de novos investimentos e, provavelmente, promover a transferência de empregos para o exterior, por intermédio da importação, irregular ou não, de manufaturados.
Portanto, a atual medida visando restringir globalmente a produção nacional em todos os segmentos industriais da Zona Franca não é boa receita para combater a inflação e ajudar o equilíbrio da balança comercial, que parece ser o objetivo colimado pelo sufocante contingenciamento. Percebe-se, desde logo, que a medida é solução imponderada e muito prejudicial aos objetivos de desenvolvimento pretendidos. Seria ousado concluir que restringir a oferta da produção nacional é prejudicar o país?
Se o contingenciamento, por outro lado, tiver o incompreensível objetivo de controlar a Amazônia politicamente, os frutos resultantes seriam os mais perversos: empobrecimento da região, perda de investimentos, redução da ocupação e da própria integração da área, pelo enfraquecimento do poder nacional dentro de suas legítimas fronteiras.
Seria conveniente que se convencessem os senhores membros deste nosso novo e esperançoso governo de que os governos anteriores não estavam tão errados com relação aos incentivos para a Zona Franca, por meio dos quais atraíram investimentos, promoveram um enorme desenvolvimento e continuam promovendo a integração econômica e política da Amazônia na sua forma menos onerosa para o país.
O custo necessário para transformar a região em parte integrada e produtiva do país seria incomparavelmente maior por qualquer outra via, já que as empresas demonstraram ser instrumentos dos mais eficientes, baratos e eficazes, fixando tecnologia, criando empregos, riquezas e um parque industrial cujo nível de investimento chega hoje a US$ 20 bilhões.
Iludem-se os que julgam estarem silenciadas para sempre as forças contestadoras de uma Amazônia brasileira como a conhecemos hoje: silenciosas sim, e vigilantes certamente, mas silenciadas dificilmente.
A reedição de um contingenciamento que tanto prejudicou a integração da Amazônia anteriormente apenas mina o que já está feito, retarda o que deve ser feito e, para o futuro, oferece muitas incertezas.

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