São Paulo, quinta-feira, 15 de junho de 1995
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Tio Dave sente cheiro de gíria nova no ar

DAVID DREW ZINGG
EM SAMPA

O inglês, para mim, é uma língua fascinante -provavelmente porque a conheço tão intimamente. O que quero dizer é que conheço sua roupa íntima: a gíria.
Na semana passada, assisti ao lançamento de uma nova expressão de gíria inglesa na CNN. Na semana passada, na Bósnia, o capitão Scott O'Grady, da Força Aérea da Gringolândia, foi derrubado. Um míssil atingiu seu avião, uma ocorrência bastante incômoda. O Capitão O'Grady estava afivelado a um pedaço do que havia sido seu caça-bombardeiro. Ele se viu prestes a ser impelido em alta velocidade em direção a um final infeliz.
Nesse momento o Capitão O'Grady fez uma coisa que o poupou de transformar-se em cozido da Força Aérea. Ele salvou sua própria vida e lançou um novo termo de gíria.
O Capião O'Grady ``punched out".
Ou seja, ele acionou a alavanca dourada situada ao lado de seu assento de piloto. A alavanca, por sua vez, acionou um foguete que literalmente fez o capitão, seu capacete, seu assento e seu para-quédas explodirem através do teto em plexiglas de sua cabine de piloto.
``I punched out", disse o capitão mais tarde, em uma entrevista.
O Capitão O'Grady chegou no momento exato para os EUA e o presidente Bill Clinton. O pessoal lá do norte estava muito necessitado de um herói. O'Grady é um Forrest Gump da vida real. Primeiro teve seu avião derrubado. Depois sobreviveu atrás das linhas bósnias por quase uma semana à base de formigas e capim, e a seguir foi resgatado na melhor tradição hollywoodiana, por um grupo de ``marines" norte-americanos muito machos.
As lágrimas afloraram a seus olhos quando ele narrou sua fuga milagrosa.
``I punched out", ele contou ao mundo na CNN.
``É um garoto e tanto", comentou o presidente Clinton, e convidou o capitão à Casa Branca para ``schmooz" na televisão. (Esta é a semana da gíria de tio Dave, Joãozinho. ``Schmooz": bater um longo papo bem gostoso e à vontade. Deriva da palavra iídiche ``schmous", que significa ``coisas ouvidas").
Algo me diz que ainda vamos ouvir a metáfora do ``punching out" outras vezes.
A palavra certa
Na segunda-feira passada, Dia dos Namorados, eu me comprei um presente. Refleti bastante e concluí que não há ninguém de quem eu goste tanto quanto eu mesmo, de modo que me presenteei com R$ 77 de gíria, adquiridos na Livraria Cultura, aqui em Sampa.
O presente que me ofereci veio sob a forma do ``Random House Historical Dictionary of American Slang", ou Dicionário Histórico Random House de Gíria Norte-Americana (ao qual vou me referir daqui em diante como RHHDAS). São 1.006 páginas do que S.I. Hayakawa descreveu como ``a poesia da vida cotidiana".
``Parece que é preciso ser rico para ser letrado", disse outro dia o perito em língua norte-americana William Safire. Ele não deixa de ter certa razão. Gastar R$ 77 em um livro sobre um monte de expressões de rua realmente parece ser um pouco impensadamente inútil. Mas eu o fiz com alguns outros propósitos em mente.
Em primeiro lugar, esta coluna é escrita em inglês, e depois brilhantemente (acredito) vertida ao português pela srta. Clara Allain, uma agradável jovem que possui exatamente 1,037% mais energia intelectual do que vosso correspondente.
Já untei a mão da srta. Allain com um dicionário de gíria da Gringolândia, mas eu queria este dicionário para mim, para alguma emergência.
O livro de gíria que comprei cobre apenas as letras de A a G. O segundo volume será lançado em 1996. O volume final, que terminará em minha letra favorita, sairá em 1997. Trata-se de uma realização verdadeiramente ``awesome" (excepcionalmente boa) do editor, um certo J.E. Lighter.
Segundo o sr. Lighter, a gíria do jazz se espalhou com a grande migração para o norte de afro-americanos negros durante os anos 30, atingidos pela Grande Depressão. A palavra inglesa ``groovy" significava literalmente ``no `groove' (sulco) de um disco de 78 RPM". Na gíria, significava ``esplêndido, deliciosamente excitante".
Quanto aos militares, basta ver o exemplo acima descrito de nosso piloto herói em estilo Gump.
A palavra que ocupa o maior espaço no volume A-G de meu novo dicionário de gíria é uma que todos nós conhecemos muito bem. Poucos de nós a usamos em nossas conversas do dia-a-dia, embora muitos possamos pensar nela com grande frequência.
Ela possui uma certa vulgaridade que a torna impossível de imprimir nesta coluna e é conhecida aqui como a ``Palavra-F". Nas 12 páginas que ocupa no livro, é usada numa infinidade de maneiras. Ela aparece sob formas tão interessantes! A Palavra-F nos chega como substantivo, verbo, adjetivo, advérbio, interjeição e indicativo de intensificação.
A forma inglesa da palavra possivelmente remonte ao ano 1450. Seria interessante saber quando a versão portuguesa começou a ser usada. A primeira menção registrada da versão anglo-saxônica dela que temos está no ``Oxford English Dictionary Supplement" (Suplemento do Dicionário Oxford da Língua Inglesa), que a data de 1680: ``E assim fui fraudado de Doze substanciais F...s".
A Palavra-F se presta a usos gloriosos e tolos. Para mandar uma pessoa sair daqui rapidamente, você pode fazer como Henry Miller fez em 1933, em ``Letters to Emil" (Cartas a Emil) e dizer: ``Tell her to go f... a duck!" (Diga a ela que vá se f....!)
O RHHDAS prossegue, oferecendo sucessivos prazeres para nosso deleite. Alguém sabia que ``Sem Destino" surgiu muito tempo antes de existirem Harley-Davidsons e Dennis Hopper? Em 1914 o termo já significava `` homem sustentado por uma mulher, especialmente por prostituta".
O termo ``drugstore cowboy" data de 1923, quando era usado para descrever ``um rapaz ocioso que passa seu tempo ao lado do balcão de refrigerantes de uma `drugstore', especialmente para ficar na companhia de moças".
A gíria tem o hábito de inverter os valores para surtir maior efeito. Hoje, ``cool" é ótimo; algumas décadas atrás, teria sido ``hot". Se você estiver estudando inglês para seu próprio prazer, não deixe de dar uma ``gander" (olhadela) neste livro. É ``groovy". É ``real bad" (muito legal).

Tradução de Clara Allain

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