São Paulo, quinta-feira, 15 de junho de 1995
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Mestre Roto

As críticas dirigidas pelo ministro Cavallo e pelo presidente Menem contra a decisão do presidente Fernando Henrique Cardoso em favor de cotas na importação de automóveis já têm lugar garantido na história sul-americana.
A virulência dos ataques coloca em evidência uma enorme fragilidade, não do projeto Mercosul, mas da própria política econômica argentina. A rigor, um exame da opção brasileira por cotas poderia abrir espaço para maior otimismo na Argentina e no Mercosul.
Esta Folha tem insistido, desde que se começou a cogitar das cotas, no aspecto prático e na urgência, do ponto de vista da estabilidade do Plano Real, de se reverter os déficits comerciais sem apelar para a maxidesvalorização cambial. As cotas, doutrinas à parte, são uma espécie de ``second best" ou, em português claro, é dos males o menor.
As cotas atingem um setor. Ocorre que é da perspectiva da política macroeconômica e não da ótica setorial que os argentinos poderiam perceber que as cotas têm ao menos uma vantagem indireta.
Como se sabe, todo o edifício da estabilização argentina repousa na Lei de Conversibilidade, que, entre outras providências, determina o congelamento da taxa de câmbio.
Mas depois que o México sucumbiu a uma megadesvalorização cambial, ficou só o Brasil fazendo companhia à Argentina no malabarismo arriscado de viver com uma taxa de câmbio fixa ou quase fixa e incômodos déficits comerciais.
Assim, ao optar por cotas e continuar apostando na ``âncora cambial" o Brasil, se fere alguns interesses industriais argentinos, ao mesmo tempo prolonga um compromisso cambial que é extremamente oportuno para o país vizinho.
O Brasil precisa tanto de superávits comerciais e de investimentos industriais quanto a Argentina. Os ajustes microeconômicos no Mercosul, nesse contexto, podem ser o custo a pagar para salvaguardar um mínimo de consistência e apoio mútuo no plano macroeconômico.
Exagerar no destempero diplomático ou caluniar-se mutuamente só agrava um quadro em que se equilibram, a duras penas, tanto o roto quanto o esfarrapado.

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