São Paulo, quinta-feira, 15 de junho de 1995
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Transporte em Salvador; PFL; Zumbi

Transporte em Salvador
``A propósito da matéria `Alta de tarifas pode levar a inflação a 3%', publicada neste prestigioso jornal em 11/6, gostaria de dizer que não fiz qualquer comentário sobre a alegada antecipação de reajustes tarifários por parte dos secretários de Porto Alegre e Brasília, nem tampouco que o acompanhamento do acordo depende da necessidade da sobrevivência das empresas. Também não afirmei que os gastos com combustíveis e o aumento da demanda de passageiros foram itens que justificaram o reajuste da tarifa de Salvador. Nossa preocupação exclusiva é com a situação de Salvador, entendendo que cada cidade tem de considerar suas especificidades. No caso de Salvador, estes reajustes decorreram, principalmente, da correção dos salários dos operadores em quase 70%, fruto de dois dissídios, aumento dos preços dos veículos e melhoria na qualidade do serviço, representada pela elevação da oferta de viagens, criação de novas linhas e renovação e ampliação da frota operante. Nossa postura em todo o processo de reajuste da tarifa de ônibus de Salvador, após um ano de congelamento, pautou-se pela total observância às recomendações do Fórum Nacional de Secretários Municipais de Transporte, em comum acordo com o dr. Milton Dallari, no que diz respeito ao cálculo tarifário, baseado na metodologia do Ministério dos Transportes, ao escalonamento das datas de reajustes, no caso de Salvador previsto para junho, e ao envio prévio da nova planilha, antes do reajuste, para análise do ministério. O reajuste de Salvador não está `fora da realidade', como, segundo a matéria, teria sido observado pelo dr. Dallari, o qual, segundo podemos confirmar, apenas disse que não poderia se posicionar naquele momento por desconhecer a realidade tarifária de Salvador."
Miguel Kertzman, secretário municipal de Transportes Urbanos de Salvador (Salvador, BA)

Resposta da jornalista Cari Rodrigues - O secretário Kertzman falou com a Folha por telefone. Suas declarações foram reproduzidas com fidelidade.

PFL
``Muito interessantes o artigo `PFL 2000' de Otavio Frias Filho e a ironia sobre a eterna participação desse partido no governo. Todavia ninguém pode negar que esse partido está dando respaldo à revolução brasileira, via reforma constitucional. Convido o autor a escrever também sobre o PT e seus coligados (PC do B, PDT e PSB) e grupelhos associados (como o PSTU). Que tal lembrar que o pessoal do PT (inclusive o Lula) acredita que Cuba é o regime (político, econômico e social) ideal para o Brasil e que a maioria dos seus aliados ainda comunga por um regime tipo Albânia? Nesses, o partido (único) fica mais de 30 anos no poder (sem qualquer oposição, sem jornais livres, sem sindicatos etc.). Quem está na contramão da história? O PFL ou o PT? A propósito, recentemente li um artigo do Veríssimo afirmando que o liberalismo da Margaret Thatcher `criou mendigos em Londres...'. Parte da imprensa esquerdista gosta de levantar eventuais problemas da chamada escola neoliberal. No caso de Londres, quem mendiga são os imigrantes originários de países com economias estatizadas, socializadas etc. Gostam de lembrar as crises mexicanas e argentinas. Esquecem o Chile, Cingapura e tantas economias liberais. E pasmo: esquecem simplesmente de lembrar que fracasso foi o contraponto do liberalismo, o socialismo ou comunismo, esses sim falidos em todos os aspectos. Hoje se sabe que os países capitalistas zelam muito mais pela ecologia, pelos direitos humanos, pelo bem-estar do povo etc., do que os países dito socialistas ou comunistas. Que tal, Otavio, lembrar as contradições do PT? O apoio a uma greve considerada ilegítima -isso é a democracia do PT?. Interessante como os jornais `esquecem' quando o PT `pisa em falso'. Por exemplo: a filha do Lula estudou em Paris (ajudada por amigos), o Lula mora em casa de um amigo (sem pagar aluguel), amigo que esteve envolvido em negociatas em prefeituras administradas pelo PT. Grande parte da imprensa (especialmente a Folha) nem toca no assunto... Fosse um político do PFL ou do PPR..."
Márcio José Grecco (São Paulo, SP)

Zumbi
``A Folha, em mais uma ação de ousadia empresarial, saiu na frente com o projeto `Zumbi 300 anos' para cobrir eventos e divulgar temas relacionados à realidade afro-brasileira. Essa iniciativa, bem recebida por parcela da militância negra, deve, no entanto, ser acompanhada de muita reflexão. Dando continuidade ao projeto Zumbi/Folha, o jornal reuniu algumas lideranças, em 30/5, no debate `O Movimento Negro Hoje'. Auditório lotado, divergências normais, algum atrito inoportuno e uma constatação lúcida de Sueli Carneiro, do Geledés -Instituto da Mulher Negra: atividades dessa natureza, nesse tipo de lugar, não resolvem nossos impasses. O desdobramento mais imediato desse evento parece ser o artigo `Cativeiro gay', de Otavio Frias Filho, publicado dois dias após o debate, em 1/6. Do alto de seu confortável status de jornalista-empresário, o citado articulista tenta explicar a fraqueza e insignificância numérica do Movimento Negro. Ele até que identifica problemas reais, porém tropeça nas razões. Explicar a pouca militância negra por causa da `cordialidade racial' brasileira é tentar ressuscitar a falecida `democracia racial'. Esse mito apodreceu, porém os truques e jeitinhos que eram sua base de sustentação continuam na moda e têm na mídia um ambiente privilegiado para sua sobrevivência e reprodução. Se `nunca houve orgulho branco entre nós', como garante Otavio, por que as novelas brasileiras inventaram e perpetuam um Brasil que parece uma província latina daquela velha África do Sul do apartheid? Se inexiste arrogância branca, por que a publicidade do Brasil nos vende a impostura da brancura e parece decidida a transferir nosso país para a Escandinávia? Se orgulho branco nunca esteve na moda, por que os fabricantes brasileiros de brinquedos continuam inundando o mercado com bonecas loiras num país com milhões de meninas não-brancas? A modernidade brasileira tem laços antigos e familiares com a tradição. E a tradição sempre foi uma geradora de explicações incompletas para nossa vida e de trilhas falsas para nossos sonhos. Nós, do lado de cá, que tentamos reconstruir identidades e conquistar cidadania neste caos da diáspora africana, estamos atentos. Com a consciência coletiva renovada pelas transformações mundiais das duas últimas décadas, estamos enfrentando as meias-verdades. Elas fabricam a idiotia e nos reduzem a multidões esquizofrênicas de pele escura e alma branca. Somos a maioria minorizada pelos planos e censos de credibilidade duvidosa. Os que controlam tudo fabricam as versões que não incluem as verdades que vivemos."
Jamu Minka (São Paulo, SP)

``Venho desmentir, como africano que sou e oriundo da tribo dos jagas, a mesma da qual Zumbi é descendente, as calúnias e difamações infundadas, que estão sendo atiradas contra Zumbi, na medida em que tudo que se sabe sobre Palmares foi contado pela boca dos inimigos da liberdade. Para se ter uma idéia da nobre origem de N'Zumbi Ganga, é preciso que saibam que os jagas, tribo banto que dominou o Centro Norte de Angola à época de Zumbi, que foi a maior resistência contra a escravatura, cujos líderes máximos foram o rei N'Gola Kiloanges Kassamba -que deu origem ao samba- e sua filha e sucessora rainha N'Zinga Bandi, eram guerreiros por excelência, polígamos declarados. O homossexualismo não tinha nenhum sentido para eles e era visto como uma agressão total à natureza humana, já que na África se tem por costume obrigatório o homem ter esposa como companheira e não outro homem. Essa prática sexual degenerada entrou na África por meio da colonização européia decadente, que, junto com a escravização física e mental do povo africano, impôs às almas fracas seus hábitos imundos, não sendo porém aceitos pela maioria. Venho, assim, desafiar publicamente o antropólogo e gay baiano Luiz Mott a um debate público, para que ele apresente as provas concretas das acusações em pauta. Como ex-combatente pela libertação de Angola e representante ativo da cultura angolana, na qualidade de artista plástico, exijo desse aventureiro muita atenção e respeito pelo povo angolano, porque somos conscientes dos nossos direitos e sempre lutamos pela dignidade humana."
Filipe Salvador (Rio de Janeiro, RJ)

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