São Paulo, quinta-feira, 15 de junho de 1995
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País é o maior produtor mundial de filmes

LÚCIA NAGIB
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O cinema indiano é um fenômeno que espanta qualquer estrangeiro. Com seus mais de 900 títulos por ano, cifra que deixa longe o cinema americano, a Índia se mantém na folgada posição de maior produtor cinematográfico do mundo. Alguns fatores peculiares à sociedade e à cultura indianas podem explicar esse desempenho.
O primeiro deles é sem dúvida o imenso mercado interno nesse país de mais de 800 milhões de habitantes, onde a televisão ainda não é acessível a todos.
Mas outras nações de cinematografia igualmente forte, e densa população, como o Japão, há muito tempo abandonaram seus cinemas locais para aderir em massa ao hollywoodiano.
Se os espectadores indianos permaneceram fiéis a seus próprios produtos, não é certamente apenas por gosto, mas também devido a uma rígida legislação de controle à importação, que só começou a se abrir há dois anos.
Além disso, os filmes estrangeiros até há pouco eram apresentados com legendas em hindi, restringindo-se ao público alfabetizado e deixando de fora a maior parte da população.
O advento recente da dublagem ameaça mudar esse panorama. Filmes como ``Parque dos Dinossauros", ``Aladdin" e ``Velocidade Máxima", apresentados em versão dublada, conseguiram um sucesso de público sem precedentes.
O fato naturalmente assustou os produtores locais, que temem perder um reinado até agora absoluto. Mas não há razão para alarme. Dificilmente o público vai abandonar de uma hora para outra um cinema que, afinal, é um dos mais antigos e ricos do mundo.
Além da produção dominante, falada em hindi, o cinema indiano engloba ainda as inúmeras cinematografias regionais, como de Maharashtra, Bengala ou Kerala, cada qual com seus repertórios e estilos peculiares.
No conjunto, algumas características únicas permanecem como atrativos infalíveis para o espectador indiano. Típicos, por exemplo, são os filmes mitológicos e de santos, que já tiveram sua época de auge, mas continuam até hoje populares.
Quem visita um templo na Índia frequentemente encontra pinturas de santos que são na verdade retratos do artista que os interpretou no cinema. Aliás, o poder social dos atores não é pequeno: os mais famosos acabam como deputados, governadores ou ministros.
Outra característica constante do cinema indiano são os números de dança -quando não são filmes inteiramente musicais. Se a inspiração tem origem hollywoodiana, hoje transformou-se em recurso próprio, que dita aos jovens os novos passos, as canções do momento, o vestuário da moda.
Mas atenção: nada de nudez ou erotismo explícito. Mesmo o simples beijo só agora começa a ser permitido nas telas, desde que os amantes mantenham os lábios hermeticamente fechados.
A maior parte dos filmes indianos é financiada por empresas privadas, com olhos gordos na exploração comercial de seu produto.
Os orçamentos em geral são baixos. Mesmo as chamadas grandes produções não ultrapassam US$ 1 milhão.
Mas se fizer sucesso, o filme contará com distribuição, não apenas na Índia, mas no sul e sudeste asiático, no norte da África e no Oriente Médio.
Nessas regiões, o cinema indiano ainda ganha do americano por melhor condizer com os padrões morais e religiosos locais.
Numa Índia inundada de filmes, os festivais proliferam e se estendem ao longo do ano. O mais importante deles é o Festival Internacional de Cinema da Índia, que ocorre anualmente em janeiro.
Trata-se de um evento itinerante, realizado a cada dois anos em Nova Déli e, nos outros anos, em diferentes cidades do país. Em janeiro passado teve lugar em Bombaim, a capital cinematográfica da Índia, que exibe o engraçado epíteto de ``Bollywood".
Embora internacional, a ênfase do festival recai sobre a produção interna, em especial os filmes de produção independente, frequentemente financiados pelos governos regionais. É esse, na verdade, o âmbito de onde saem as obras de real valor artístico.
Foi como cineasta independente e com produções de baixíssimo orçamento que, nos anos 50, surgiu Satyajit Ray (1921-1992), o maior cineasta indiano e um dos mais importantes do mundo.
Infelizmente, durante o festival, o cinema artístico indiano acaba passando em salas semivazias, enquanto o público se espreme para assistir às sensações internacionais que não são distribuídas comercialmente no país.

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