São Paulo, domingo, 18 de junho de 1995
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Mulheres de Paglia

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO<UN>

- Você sabe porque Deus criou o homem ?
- Não.
- Porque vibradores não sabem cortar grama.
A piada, deliciosamente contada por Madonna, num filme de Abel Ferrara, é uma síntese muito bem humorada de um feminismo muito mal-humorado, que teve suas conquistas, mas que está à beira de um ataque de nervos fatal.
É contra ele que Camille Paglia, a Maria da Conceição Tavares do feminismo -gêmeas na histrionice- investe numa entrevista que aparece na última edição da “Playboy”.
Paglia, superstar da polêmica, não poupa o ainda atuante feminismo universitário, cujos princípios, já em larga escala de vulgarização, baseiam-se na afirmação da mulher contra o homem e na tentativa de ocupação do espaço tradicionalmente masculino.
Ou seja, o feminismo que se tornou senso comum numa certa classe média branca, que frequentou escola, cuja imagem do paraíso parece ser mulher no escritório, barbado de avental na cozinha, crianças na creche ou -cruel contradição- embaladas poor uma babá negra.
O feminismo que irrita Paglia partiu da vontade de combater a ideologia que transfigurava assimetrias entre homens e mulheres fazendo-as aparecer como resultado de uma ordem anterior, natural, fora da história.
A mulher, em harmonia com a natureza, deveria limitar-se ao âmbito da casa e da reprodução, sem pretender projeção na esfera do trabalho, da cidadania e do pensamento. Este, em resumo, o esquema da “ideologia machista”, combatida ferozmente pelo feminismo militantee.
Tratava-se, portanto, de dobrar o “macho opressor”, de entrar no seu espaço e, last but not least, cortar-lhe o pênis - que além de símbolo de poder transformou-se no grande vilão do orgasmo das moças feministas.
Tudo isso, de uma forma ou de outra, já virou realidade em alguns ambientes. Evidentemente, mulheres conquistaram posições, superaram obstáculos e passaram a ter uma nova inserção social.
Mas o resultado não é exatamente uma Disneylândia.
O mundo masculino do escritório não é tão interessante assim, a presença da mãe para os filhos não é tão desimportante assim e a ofensiva sexista acabou criando uma visão destrutiva entre os sexos. É responsável, ao menos nos Estados Unidos, pela introdução de um novo elemento paranóico numa esfera que, salvo em casos específicos, pode prescindir da interferência do Estado ou de histéricas gritando slogans contra o “assédio sexual”.
Comentar a sensualidade de um corpo feminino ou apenas manifestar interesse em sexo passou a ser manifestação “machista”.
Sexo é coisa do demônio e o demônio é o homem -parecem repetir as freirinhas da correção política, arautas de um neomoralismo insosso, que busca nos tribunais a proteção da mamãe e do papai contra um assovio do joãozinho.
“Os homens estão numa posição terrível, diz Paglia -que vai assumindo o curioso papel de porta-voz desta nova “minoria” oprimida pelo feminismo triunfante.
Na verdade, nunca viveram neste fantasioso bem-estar a eles atribuído. Ou será que alguém educado para vencer na selva da produção, para não chorar, para estar disposto a morrer numa guerra e para não “falhar" sexualmente pode livrar-se facilmente do seu destino de besta?

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