São Paulo, domingo, 18 de junho de 1995
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O mestre e os comediantes

LUIZ GONZAGA BELLUZZO

Comédia é para ser engraçada, mas a piada pode não ter qualquer graça

A comédia "A Balança Comercial" segue fazendo grande sucesso na conhecida casa de espetáculos Brasil. O enredo, como é de conhecimento geral, trata das peripécias, desencontros e fiascos dos personagens oficiais e oficiosos à cata do responsável ou dos responsáveis pelo déficit na conta de comércio.
Os suspeitos mais óbvios são os automóveis. Entre janeiro e abril estas máquinas formidáveis de transporte, recreação e transtornos garantiram 15% do total do crescimento das compras no exterior. É, sem dúvida, a maior participação de um item isolado na formação da taxa de crescimento das importações totais que, diria o amigo Osmar Santos, não foi fraca, não: 94%, no mesmo período.
O ministro Pedro Malan diverte a platéia com sestros de Laurence Olivier e tiradas de Peter Sellers. Esta combinação rara de talentos assegurava que os maiores suspeitos para o déficit de maio eram os petroleiros. Infelizmente, os números da balança comercial do mês não confirmaram as divagações do inspetor Malan que, no episódio, lembrou o chefe de polícia interpretado em Casablanca por Claude Rains: "Prendam os suspeitos de sempre".
Conversa vai, conversa vem, suspeitos de lá, suspicazes de cá, foi defenestrado o secretário de Comércio Exterior José Tavares de Araújo. O secretário-relâmpago levou a brincadeira a sério e deitou falação à Folha sobre os equívocos da abertura comercial, ocasião em que ainda se pronunciou sobre as besteiras cometidas nas negociações da Tarifa Externa Comum do Mercosul.
Comédia é para ser engraçada, proclamaria o Conselheiro Acácio. Daí o personagem que se meter a sebo e tentar descobrir os verdadeiros culpados deve ser riscado do script. Assim foi feito com o imprudente Araújo que, de sobra, desrespeitou a parêmia popular: "Em ninho de tucano, nhambu não pia".
Mas a piada do Zé Tavares pode não ser engraçada. O exame dos números da balança comercial indicam que -diante da valorização insensata da taxa de câmbio e da queda violenta de tarifas- está ocorrendo uma mudança importante na composição da demanda agregada entre bens importados e bens produzidos internamente. Os consumidores e as empresas, como reza a boa teoria, responderam à rápida alteração de preços relativos e passaram a adquirir, em proporção maior, bens produzidos no estrangeiro.
Quer dizer: o crescimento das importações não está apenas relacionado com o aumento da renda e do nível de atividade, mas também com a ampliação da demanda de importados para o mesmo patamar de renda e de atividade. Na ausência de um reajuste da taxa de câmbio, a obtenção de resultados positivos na balança comercial vai exigir seja uma escalada na imposição de restrições quantitativas, seja uma recessão de respeitável intensidade.
Analisada através do comportamento das exportações, a balança comercial revela um desempenho inferior dos manufaturados. A responsabilidade maior pela variação positiva de 9,6% do total das exportações repousou, entre janeiro e abril deste ano, nos ombros dos produtos básicos e semimanufaturados.
A despeito de nossa conhecida inclinação para a originalidade e para o espetáculo da má controvérsia ideológica, nada do que está acontecendo é novo. Pior: nada do que vai acontecer será surpreendente, salvo para os pasmados e apatetados da modernidade.
Se não acreditam, ouçam as lições do professor (deles) Rudiger Dornbusch sobre o caso em tela. Ensina o professor: "Eis o que acontece quando a taxa de câmbio está fora do lugar. Primeiro: aumento das importações e redução das exportações. Segundo: redução na produção doméstica, no emprego e na receita de impostos. Terceiro: as antecipações dos mercados financeiros acabam impondo uma desvalorização desesperada. Quarto: as taxas de juros serão elevadas e causarão danos à economia".
Estes quatro demônios da valorização cambial estão analisados minuciosamente no livro editado por Dornbusch e Helmes, em 1988, "The Open Economy". Vamos reler o mestre, moçada!

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