São Paulo, domingo, 18 de junho de 1995
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Os bodes expiatórios e o milagre das reformas

OSIRIS LOPES FILHO

A dinâmica do processo de mudanças constitucionais, em que está empenhado o governo federal, é o de eleger a cada passo os bodes expiatórios de que necessita, para aglutinar suas forças e tentar mobilizar a sociedade.
Na atual fase, de reformas da ordem econômica, esmerou-se o poder central por transmitir ao povo a idéia de que os monopólios estatais estavam mais a serviço do corporativismo sindical do que dos interesses do País. Corporativismo egoístico, ausência de competição, ineficiência dos monopólios forma palavras chaves a alicerçar a campanha demolidora da proteção constitucional aos monopólios do Estado. A virtude estaria na abertura das telecomunicações, petróleo, gás, cabotagem, minerais à iniciativa privada, nacional e estrangeira. Esta de preferência, pois tem capital disponível e os campos de atuação que estão sendo oferecidos são atraentes, pois altamente lucrativos.
A técnica utilizada é velha. A primeira metade deste século viu-a praticada pelo fascismo e nazismo. A eleição de inimigos externos, camufla os verdadeiros problemas e as causas efetivas das disfunções, pobreza, ineficiência, desemprego e atraso do país.
A história registra que essa técnica de governar, se apresenta sucessos a curto e médio prazos, faz prosperar antagonismo inconciliáveis dentro do tecido social e sua superação dá-se com fantástico nível de sacrifícios e destruição. É um caminho que não vale a pena trilhar pela divisão que provoca, conturbando artificialmente o ambiente social da nação e do Estado.
O que tem sido negligenciado no debate acerca dessas reformas é a incrível incapacidade governamental de administrar o setor público. Os conflitos são exacerbados, para evidenciar as teses governamentais, como no caso da Petrobrás, e quem paga o pato é a população pobre e desassistida, à mercê das manobras da cúpula, jogo viciado para obtenção de vitórias táticas, desvinculados do interesse geral.
Os cargos de direção da administração federal direta e indireta têm sido utilizados mais para obtenção de aliados e para atender à clientela, do que para dotar o aparelho do Estado de direção competente, que se dedique com empenho e lucidez ao exercício diário da administração, equacionando os problemas e resolvendo-os, com o mínimo de custo e com o máximo de eficácia.
Os serviços indispensáveis continuam caóticos. Os hospitais e postos de atendimento de saúde ao público não funcionam a contento. As greves dos médicos e dos paramédicos e as filas de inatendidos adequadamente compõem o dia a dia do setor de saúde.
A segurança pública transformou-se na insegurança pública. Massacres ocorrem sem que sequer haja um sentimento coletivo forte de repúdio. A violência indiscriminada tem acentuado uma tendência esocêntrica na população de tentar proteger-se individualmente, ignorando a solidariedade do coletivo. A política é ineficiente e contaminada, e a justiça morosa e, pois, tardia. As soluções privadas evoluem, garantindo a prosperidade das firmas e empreitadas particulares de segurança.
O sistema educacional público constitui algo calamitoso. Greves constantes, péssimo nível de ensino, pior grau de aprendizado. Resiste ainda o setor privado, atendendo a minorias privilegiadas, que conseguem cada vez menos acompanhar os seus custos crescentes.
A previdência consiste no purgatório terreno dos aposentados. As estradas proporcionam oportunidade permanente ao exercício da habilidade dos motoristas a evitar os buracos e teste de resistência máxima para os nossos veículos.
E a solução? Ora, o governo federal oferece aí o milagre das reformas normativas. Basta mudar a Constituição, criar novos tributos, que vai haver dinheiro para atender às necessidades e propiciar instrumentos para resolver as dificuldades.
O crédito está apertado e os juros são de campeão mundial da usura, os negócios vão em ritmo de desaquecimento, as falências e concordatas disparam, as despedidas e desemprego evoluem em crescente, mas tudo isso é passageiro, não se deve preocupar, pois o governo está a promover o facilitário nacional, que tudo promete solucionar, com a magia ou milagre das reformas.

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