São Paulo, domingo, 18 de junho de 1995
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Reforma constitucional - 2º capítulo

ANTONIO KANDIR

Com as emendas da ordem econômica já quase todas aprovadas na Câmara, discute-se agora qual o próximo passo da reforma constitucional.
Há quem argumente que o melhor seria dar prioridade à regulamentação, em lei, das emendas constitucionais que flexibilizaram os monopólios, imprimindo ritmo mais lento ou deixando para mais tarde as emendas de natureza fiscal (mais amplamente, relativas à reforma do Estado).
A justificativa estaria na importância da regulamentação para a atração de investimentos para as áreas agora abertas a uma maior participação do capital privado.
Não se discute a importância da regulamentação. A aprovação das emendas flexibilizando os monopólios foi passo necessário à atração de investimentos.
Mas estes só irão ocorrer na dimensão esperada à medida que se definam clara e especificamente as condições de participação do capital privado nas áreas antes sob rígido monopólio estatal.
Como estamos falando de setores-chaves da infra-estrutura econômica, a regulamentação é importante também para definir o horizonte de investimento de um modo geral, mesmo fora dos setores diretamente afetados pela flexibilização dos monopólios.
É ledo engano, porém, imaginar que as reformas de natureza fiscal tenham importância menor para a geração e atração de investimentos na produção.
Preteri-las, "empurrá-las com a barriga, em favor da regulamentação das emendas econômicas já aprovadas, seria mais ou menos como abrir as portas da casa, remover o entulho acumulado na calçada, colocar faixa de boas-vindas, indicar o local de cada cômodo, sem cuidar dos fundamentos que sustentam toda a edificação.
A decisão de investimento implica necessariamente cálculo de longo prazo, que leva em consideração não apenas o setor ou setores específicos em que se pretende realizar o investimento, mas as condições macroeconômicas em seu conjunto.
Acresce que se trata sempre, e cada vez mais com a globalização, de um cálculo comparativo, em que se avaliam a rentabilidade e a segurança do investimento em diferentes mercados, de olho não apenas nas potencialidades do mercado doméstico, mas também em sua potencialidade como base de produção para outros mercados.
Não é preciso ir muito além disso para perceber que sem reformar o sistema tributário, com seu viés claramente antiexportador, sem mexer nos dispositivos constitucionais referentes ao Orçamento Fiscal, sem reformar o sistema previdenciário, obstáculos tremendos ao equilíbrio estrutural das contas públicas, sem promover a reforma administrativa, de modo a reduzir o desperdício de recursos públicos e aumentar a eficiência do Estado, não se estará criando condições propícias à atração e geração de investimentos.
Não é difícil perceber que, sem as reformas de natureza fiscal, os custos financeiro e tributário no Brasil permanecerão elevados em comparação aos de outros países que disputam conosco a atração de capitais produtivos.
Os custos tributários, por conta de um sistema que, afora o viés antiexportador, onera irracionalmente a produção.
Os custos financeiros, por conta da impossibilidade de fazer as taxas de juros internas convergirem para níveis internacionais, enquanto houver desconfiança quanto ao equilíbrio intertemporal das contas públicas.
Acresce que, sem as reformas fiscais, permanecerão elevadas as incertezas quanto à possibilidade de consolidar a estabilidade econômica, fazendo com que se elevem as taxas de retorno exigidas nas decisões de investimento.
Em suma, não há justificativa para não enfrentarmos agora as espinhosas questões de natureza fiscal, mesmo da ótica de quem sugere dar preferência à regulamentação das emendas da ordem econômica.
É enganoso o argumento de que deixá-las para mais tarde seria mais prudente.
Primeiro, porque o adiamento teria desde logo impacto negativo sobre as expectativas, uma vez que seria interpretado como confissão de incapacidade política para enfrentar questões de maior teor de conflito.
Segundo, porque dificilmente as dificuldades e os conflitos serão menores em 1996, ano em que haverá eleições municipais.
Além disso, não temos porque escolher entre regulamentar as emendas da ordem econômica ou encaminhar as reformas fiscais. Vamos fazer as duas coisas.

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