São Paulo, domingo, 18 de junho de 1995 |
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Almino recria a geração de 68 através de atalhos narrativos
YUDITH ROSENBAUM
A ousadia da ficção de Almino, que também editou o livro de poesias ``Maneiras de Dizer" (Brasiliense), está marcada pelo veio lírico. A começar pela condensação do relato, diminuto e denso. Depois, pela escolha de um vocabulário mais sugestivo do que descritivo, o que resulta numa linguagem de alto valor simbólico, levando o leitor a descobrir sensações novas em palavras já conhecidas: ``Melancolia era o nome aceso que se dá às horas turvas." Aliás, todo o livro é melancólico, como se o autor/narrador (a identificação é inevitável, pelo tom memorialista) precisasse ``conhecer o que eu considerava uma alegoria monstruosa, exemplar, da minha geração", e o fizesse por uma escrita nostálgica, que tentasse responder à questão: ``Valia ver o que valia aquele passado?" Ao revisitar o passado, busca-se um sentido para toda aquela ``engrenagem ingênua" (o mundo clandestino da época) -que nem a alegoria consegue desvendar. Tal fracasso, contudo, está perfeitamente de acordo com a ficção moderna, que afirma a impossibilidade de alcançar qualquer totalidade. É justamente na tensão entre alegoria e símbolo que o autor constrói seu texto, cujo gênero enigmático permite as mais criativas equivalências: pode-se imaginar uma partitura musical, de harmonia dissonante, onde os intervalos são tréguas para reflexão; ou uma composição em fragmentos, com episódios curtos, ora focalizando o exílio em Paris (quando, em 66, Almino segue o pai, Miguel Arraes), ora sublimes experiências em pequenos lugarejos de Pernambuco -tudo girando em torno de um personagem que articula os vários fios dispersos: Valdério Alexandre Araripe, amigo do narrador e ex-dirigente do MR-8. E, por fim, um álbum de fotografias, dispostas sem ordem cronológica, ocultando um segredo tridimensional como as figuras do livro ``O Olho Mágico". Emoldurando esses quadros multifacetados, temos citações inusitadas, que dialogam com o texto principal, passando por Stendhal, Montaigne, Gide, Camões, Tom Waits, Eça, Machado, entre muitas outras. A narração ``avança" por sigilosos atalhos, com frases veladas e ambíguas, quase a mimetizar o clima de clandestinidade da época. A melodia ou o vitral resultante desse rigoroso encaixe de peças só se revela ao leitor paciencioso, que se deixa levar por um enredo desconstruído e misterioso (embora, algumas vezes, hermético demais). Aos que desistiriam logo, é bom lembrar o que diz Umberto Eco: ``Um texto é uma máquina preguiçosa, que pede ao leitor para fazer parte de seu trabalho". Aos mais laboriosos, gratas surpresas os aguardam ao final de um caminho inteligente, ainda que tortuoso. Texto Anterior: Futuro de Verne contempla utopia e desastre Próximo Texto: Edição do 'Mais!' vira peça no Rio Índice |
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