São Paulo, domingo, 18 de junho de 1995
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Futuro de Verne contempla utopia e desastre

BIA ABRAMO
DA REPORTAGEM LOCAL

Júlio Verne é um autor tão rico e complexo que mesmo uma obra tosca e imatura como ``Paris no Século 20" contém os germes de duas das principais tendências da ficção científica.
O exercício de imaginar o futuro comporta muitas armadilhas. Otimismo e pessimismo parecem ser fatores decisivos na habilidade de desviar das ciladas, que se multiplicam quando os autores se aproximam de assuntos como instituições políticas, relações humanas e conflitos sociais.
A ficção antecipatória otimista, tanto na literatura quanto no cinema, sempre cai na esparrela da uniformidade. A ``science fiction" norte-americana tradicional conta com uma espécie de panacéia miraculosa -ainda que calcada em bases científicas- capaz de, finalmente, ordenar o mundo e, sobretudo, manter seus valores ``universais", mesmo que seja três ou quatro séculos adiante.
Nos mundos de Isaac Asimov e Arthur C. Clarke, por exemplo, a limpeza e assepsia saem dos laboratórios e tomam conta do mundo. Não há mais nada para mudar: o capitalismo, a família, a existência de patrões e empregados estão no planeta -mesmo que seja Vênus ou Marte- para ficar. As máquinas se sofisticam e os homens permanecem impassíveis.
A ficção pessimista aposta na catástrofe. Se o futuro está fora do nosso alcance, imaginemos aquilo que mais nos convém: tudo pode se tornar muito pior do que é. O ``1984" de George Orwell não deixa dúvidas: não há ciência que contenha a perversidade humana, nem bem-estar proporcionado pela tecnologia que elimine o que sempre esteve mal.
Entre a utopia e o desastre, Verne fica com os dois. Em ``Paris no Século 20", a mecânica do mundo está resolvida -e bem: sistemas de transportes limpos e rápidos cortam a cidade, a energia é barata, abundante, capaz de fazer as máquinas funcionarem incessantemente.
O desastre, porém, estará na alma do mundo, para sempre acossada ``sem interrupção nem piedade pelo demônio da fortuna" nos ``bulevares iluminados com um esplendor comparável ao do sol".

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