São Paulo, domingo, 18 de junho de 1995
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Cirurgias contra o mal de Parkinson

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Tem aumentado muito nos últimos anos o número de neurocirurgiões que estão utilizando em doentes de mal de Parkinson a aplicação intracerebral de células de fetos abortados, na esperança de deter ou atenuar sinais daquela doença degenerativa nervosa.
Já se registram no mundo mais de 200 operações desse tipo.
Os efeitos da moléstia decorrem de lesão destrutiva numa área bilateral do encéfalo chamada substância negra. Nesta existem células especiais produtoras do neurotransmissor dopamina que por meio de fibras abastece uma outra região encefálica, também bilateral, chamada corpo estriado.
O desaparecimento da dopamina neste é a causa imediata do mal de Parkinson.
Uma doença provocada por pequena lesão em área bem delimitada parece ideal para tratamento por implante, desde que este se adapte à situação e estabeleça conexões com as células da região.
Essa adaptação foi bem comprovada em ratos e ocorre também no cérebro humano, embora seja pequena a porcentagem de células implantadas que sobrevivem, o que leva vários especialistas a usar mais de um feto para cada transplante ou a fazer implantes em diversos pontos do corpo estriado.
Em 1987 Ignacio Madrazo e colegas, do Centro Médico La Raza no México, despertaram grande interesse com a apresentação de imagens de sucessivos vídeos que mostravam surpreendentes melhoras em parkinsonianos por eles intracerebralmente implantados com células de uma das adrenais (glândulas supra-renais) do próprio paciente.
As adrenais também produzem dopamina. Diversos especialistas norte-americanos tentaram sem êxito a operação, que acabou caindo no esquecimento.
Na década de 60 haviam entrado em uso médico medicamentos químicos, que têm sido aperfeiçoados, capazes de elevar o teor de dopamina, contribuindo para a melhora dos pacientes.
Mas esses medicamentos em geral apresentam duas peculiaridades. Uma é o chamado efeito "liga-desliga", que consiste em a droga ter alternância de efeitos, ora produzindo normalidade de comportamento, até com excesso de atividade, ora acarretando imobilidade quase total. A outra particularidade é alguma perda de atividade do remédio após alguns anos de uso.
Nos anos 70, Andreas Bjõrklund realizou pioneiras experiências mostrando que enxertos retirados do cérebro de fetos de ratos podiam sobreviver, crescer e integrar-se com as células do cérebro adulto da mesma espécie.
E mais: com esse implante era possível reverter os efeitos de uma forma de parkinsonismo produzida em animais.
Em 1987 Olle Lindvall realizou algumas das primeiras experiências de enxerto cerebral em seres humanos. Dois anos após já realizara seis tentativas desse gênero, quatro em parkinsonianos e duas em pessoas que haviam tomado uma droga tóxica, o MPTP, que produz sintomas muito parecidos com os do mal de Parkinson.
Não houve curas, mas quatro dos pacientes recuperaram parte da perdida mobilidade. Outros pesquisadores seguiram a mesma trilha, entre eles Niall Quinn, do Instituto de Neurologia de Londres, que operou muitos casos, um dos quais, o "paciente 7", se tornou famoso pela extraordinária recuperação.
Atualmente cirurgiões de vários países têm procurado padronizar as normas dessas operações, para tornar mais fácil a comparação dos efeitos.
Mas a técnica do implante ainda precisa ser muito aperfeiçoada e dificilmente poderá viabilizar-se como tratamento de larga escala, por seu alto preço e pela escassez de fetos onde eles podem ser legalmente obtidos.
Os otimistas esperam todavia que os progressos da cultura de células e da engenharia genética possam substituir as células fetais. O implante encontra ainda muitas objeções éticas.

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