São Paulo, domingo, 18 de junho de 1995
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Crise bósnia requer poder global de negociação

JIMMY CARTER

Se a comunidade internacional quiser dar continuidade a seu envolvimento na Bósnia, terá de fazer uma opção inequívoca entre duas alternativas possíveis: a escalada do conflito militar ou uma tentativa resoluta de negociar um amplo e abrangente acordo de paz.
Além das questões complexas que há muito tempo dividem os grupos políticos, religiosos e étnicos nos Bálcãs, a falta de inter-relacionamentos claros entre as forças internacionais de manutenção da paz e as forças militares suscita confusão e talvez seja contraproducente.
Desde 1992, tanto a União Européia quanto as Nações Unidas vêm mantendo um representante cada, trabalhando em equipe para tentar redigir um acordo de paz para a região.
Em abril de 1994, a maior parte dessa responsabilidade foi assumida por um Grupo de Contato integrado pelos Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha e Rússia.
Ao mesmo tempo, existe uma partilha incômoda dos deveres militares entre a Força de Proteção das Nações Unidas (Unprofor) e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
Frustrados com o impasse na Bósnia, alguns dirigentes políticos estão exigindo que os Estados Unidos suspendam unilateralmente o embargo de armas, para permitir que a federação muçulmano-croata expanda e modernize sua força militar.
Sob essas circunstâncias, os comandantes militares da ONU já afirmaram que as forças da Unprofor não têm condições de cumprir sua missão, e os líderes tanto da França quanto do Reino Unido disseram que suas tropas serão retiradas.
Retirar as forças da ONU teria o mesmo efeito que pôr fim ao embargo de armas.
Em qualquer um desses casos, haveria uma escalada no derramamento de sangue na Bósnia, e um provável resultado disso seria um envolvimento norte-americano muito maior, tanto no apoio quanto no treinamento militar.
Se ou os sérvios da Bósnia ou a federação muçulmano-croata se vissem então ameaçados de derrota, a guerra poderia ser ampliada, para incluir seus defensores na Sérvia e na Croácia, e poderia então se espalhar em direção ao sul, para Kosovo e Macedônia.
A Grécia, a Turquia e a Bulgária poderiam acabar por se envolver no conflito que viria a seguir.
As nações integrantes da Otan se veriam confrontadas com um terrível dilema de contenção, que, em comparação, tornaria os atuais problemas relativamente insignificantes.
Com a quase total falta de perspectivas de pôr fim à crise por meios militares, chegou a hora de reavaliar as possibilidades de uma solução mediada dos principais pontos de disputa.
Quais deveriam ser os pré-requisitos de tais negociações diretas?
Se a convocação de abrangentes conversações de paz sem a imposição de condições prévias não for considerada aceitável pelo Grupo de Contato, acredito que seria suficiente que houvesse uma clara demonstração de boa fé de ambos os lados.
Poderiam ser exigidos compromissos comprovados de natureza prática, como aqueles aceitos em dezembro passado pelos sérvios e pela federação muçulmano-croata na Bósnia:
a) uma cessação das hostilidades e desengajamento das forças armadas;
b) liberdade de movimentos das forças de manutenção da paz da ONU;
c) liberdade irrestrita de movimento dos comboios da ONU para transportar alimentos e medicamentos para Sarajevo e outros encraves seguros;
d) abertura do aeroporto de Sarajevo para vôos da ONU;
e) a soltura de todos os detidos;
f) garantia do respeito aos direitos humanos, incluindo o retorno irrestrito dos refugiados e pessoas deslocadas a seus locais de origem.
Como já foi dito antes, haveria tratamento igual e equilibrado das duas partes, durante o decorrer das negociações.
A política geral do Grupo de Contato tem sido isolar os sérvios da Bósnia e comunicar-se apenas com o presidente da Sérvia, Slobodan Milosevic, sobre questões envolvendo os sérvios bósnios.
Esse esforço não tem rendido frutos, e suas perspectivas de assegurar a paz na Bósnia são pequenas, mesmo na eventualidade pouco provável de que Milosevic decidisse cooperar.
O governo bósnio e os sérvios bósnios precisam participar diretamente de qualquer processo de paz.
Tanto no ano passado quanto agora, só houve uma questão não-resolvida: os representantes muçulmanos e croatas insistem que, como pré-requisito para as conversações de paz, os sérvios, que hoje controlam 70% da Bósnia, aceitem um plano que reduz seu território para 49%; os sérvios, por outro lado, têm se mostrado dispostos a negociar ``com base no mesmo plano".
Os sérvios bósnios apresentaram uma contraproposta a mim e ao Grupo de Contato, oferecendo reduzir a área sob seu controle para 53% e afirmando sua disposição para negociar as diferenças restantes.
As conversações de paz seriam realizadas de forma mais eficaz em um lugar neutro, sob os auspícios do Grupo de Contato, com um prazo já definido para sua conclusão.
Ambos os lados, o governo bósnio e os sérvios bósnios, precisam estar presentes à mesa de negociações.
Esse período de paz poderia também incluir a suspensão das sanções comerciais da ONU contra os sérvios, desde que a Sérvia e os grupos bósnios ajam de boa fé. Isso constituiria um poderoso incentivo à obediência ao acordo.
A pauta poderia incluir questões constitucionais, como o grau de autonomia dos grupos muçulmano-croata e sérvio, divisões territoriais com as quais os dois lados concordassem, baseadas na proposta 51%-49% do Grupo de Contato, e o direito de formar relacionamentos especiais entre sérvios e croatas na Bósnia e seus vizinhos na Sérvia e na Croácia.
Todos os interessados na paz, incluindo o governo dos Estados Unidos, deveriam apoiar esse esforço por uma solução pacífica para a crise.
A busca de uma estratégia de paz não desculparia ou seria complacente com nenhuma violação de direitos humanos, de cessar-fogo, tomada de reféns ou com a desobediência às resoluções da ONU que viessem a ser cometidas por quaisquer das partes em conflito na região.
Essas ações deploráveis são universalmente condenadas, mas a tarefa primordial agora é deitar bases para uma paz duradoura e para a prevenção de mais violações.

Tradução de Clara Allain

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