São Paulo, domingo, 18 de junho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

`Igreja ainda não é livre', diz padre

DA SUCURSAL DO RIO

Folha - Como é estrutura da igreja na China?
Michel Marcil - À estrutura normal existente em todos os países se superpõe uma outra, exigida pelo Partido Comunista: a de uma organização de massa chamada Associação Patriótica dos Católicos da China, APCC.
A APCC é que é legalmente reconhecida na China, e não a igreja ligada a Roma. A conferência de bispos da China é subordinada ao congresso da APCC. O que chamamos de ``Igreja Patriótica" é a porção de católicos que aceita o funcionamento religioso dentro dos parâmetros da legalidade.
A porção dissidente dos católicos é chamada ``Igreja do Silêncio" ou igreja clandestina. Não são duas igrejas, mas uma Igreja Católica dividida em duas facções.
Folha - Qual é a posição do Estado em relação à religião?
Marcil - O Estado, oficialmente ateu, considera que a religião foi expurgada de seus elementos estrangeiros, burgueses, coloniais e reacionários entre 1949 e 1958. A religião foi reprimida e controlada pela criação das associações patrióticas entre 1958 e 1966 e perseguida entre 1966 e 1978. Foi reabilitada e tolerada, mas ainda não é totalmente livre.
Folha - Quais são as relações entre a APCC, o governo chinês e o Vaticano?
Marcil - O governo reconhece a ``Igreja Patriótica". O Vaticano não a reconhece como tal, pois ela funciona sem aceitar todas as regras da Igreja Católica. De qualquer forma, o Vaticano reconhece como católicos, e não como cismáticos (integrantes de igreja surgida de uma divisão entre católicos), o clero e os fiéis patrióticos.
Folha - Como é a estrutura da ``Igreja Patriótica"?
Marcil - O Congresso Nacional dos Católicos da China, formado por bispos, padres, religiosos e leigos é a instância suprema. A conferência de bispos trata de questões doutrinais e pastorais. A comissão de assuntos eclesiásticos (formada por bispos, padres e leigos) trata de questões disciplinares e administrativas.
Folha - Onde se reúnem os fiéis da ``Igreja do Silêncio"?
Marcil - Normalmente em residências. Mas, em regiões rurais, há cultos em áreas abertas. Existem locais ou mesmo templos construídos sem permissão. Há casos também em que igrejas foram construídas sem que as autoridades atrapalhassem.
Folha - Os bispos da ``Igreja do Silêncio" são reconhecidos pelo Vaticano? E os da ``Igreja Patriótica"?
Marcil - Todos os bispos não-oficiais são reconhecidos secretamente pelo Vaticano. Entre os patrióticos, cerca de 20 também foram secretamente legitimados por Roma. Outros tantos já fizeram chegar a Roma seus pedidos de reconhecimento. Há cerca de outros 20 bispos patrióticos que não pediram reconhecimento, sobretudo por razões estratégicas.
Folha - Existem ordens religiosas funcionando na China?
Marcil - Sim. Oficialmente as ordens religiosas internacionais (jesuítas, franciscanos, dominicanos etc.) não têm o direito de existir na China, pois isto atentaria contra a soberania do país. Mas oficiosamente, clandestinamente, elas continuam a existir.
Folha - Há punições contra os ``católicos do silêncio"?
Marcil - Sim. Existe um decreto de janeiro de 1994 que proíbe as reuniões nos locais de culto que não tenham sido registrados. Todo o culto presidido por um sacerdote que não tenha permissão é considerado ilegal, perturbador da paz pública e anti-social. Em dois anos foram presos centenas de evangélicos e dezenas de católicos. Normalmente eles ficam presos por um certo tempo e são colocados em liberdade com o pagamento de uma multa. Alguns foram agredidos e dois foram mortos.

Texto Anterior: China e Vaticano negociam secretamente
Próximo Texto: Rebeldes tchetchenos libertam 160 reféns
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.