São Paulo, segunda-feira, 19 de junho de 1995
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Bujão ou Botijão?

JOSUÉ MACHADO

A greve dos petroleiros e a falta de gás puseram em evidência nos jornais e nas emissoras de rádio e TV as palavras ``botijão" e ``bujão". Percebe-se haver pessoas que se referem ao botijão, aquela vasilha dinossáurica de transportar e vender gás, como ``bujão". Nem sempre gente iletrada e tosca da periferia da vida e da geografia da cidade, mas pessoas que trabalham com comunicação. Repórteres do ``Jornal Nacional" da TV Globo, por exemplo.
Pois bujão não tinha nada que ver com gás há algum tempo. Bujão é bucha com que se tapam buracos; cunha pequena para apertar cavilhas, e mais frequentemente entre os brasileiros, tampa de atarraxar metálica ou de outro material, usada para vedar. Bujão vem de bucha, tampão, porção de estopa, de pano, que se empregava para dar mais consistência à pólvora nas armas antigas. Do antigo francês bouche, do latim da Gália, bosca.
Mas o Aurélio, que levou ao extremo o princípio de que o povo faz a língua, registrou bujão como sinônimo de botijão, considerando que muita gente o toma por vasilha. Foi o único dos dicionários de algum fôlego a registrar essa acepção. Como é também o único razoavelmente atualizado, sua liberalidade incorpora-se ao léxico oficial. Por isso não se pode chicotear quem, por ignorância ou liberalidade, disser, como o povo da periferia, bujão em lugar de botijão. É preciso admitir, além de tudo, que a acepção de bujão como vasilha talvez venha do francês bouchon, recipiente metálico para produtos voláteis.
Não há nenhuma dúvida, no entanto, de que botijão, de botija, vaso cilíndrico, de boca estreita, gargalo curto e uma pequena asa, vem do latim buticula, diminutivo de buttis, odre, vaso, pelo espanhol botija.
Por tudo isso, é claro que se deve preferir a forma indiscutível de botijão, tratando-se do recipiente de gás combustível. Mas não soframos, porque o gás não ficará mais barato, o governo não recolherá menos impostos nem a vida ficará mais doce. Todos em busca de botijões!
Amor de Silicone
Paulo Henrique Amorim, ótimo repórter da TV Globo, tem certas peculiaridades. Fala levemente cantado, ou chorado, suavemente anasalado, e encerra a notícia com um aforisma, um gracejo ou um fecho de ouro mais ou menos gracioso. Nesse ponto fecha os olhinhos após a última palavra, satisfeito com o dever cumprido. É a revelação de uma espécie de orgasmo noticioso.
Não faz mal e em geral ele o faz bem, mas, como quase todos os repórteres, de tevê ou não, traduz Silicon Valley, nos EUA, por ``Vale do Silicone", uma distração, porque o vale referido é o do silício -Vale do Silício. Silício é um elemento não metálico, semicondutor muito usado em eletrônica. E silicone é designação genérica de polímeros que contêm átomos de silício e oxigênio etc. de utilidade industrial variada. O silicone tem vasto uso em medicina reconstrutora, restauradora ou salvadora. Por exemplo, em estado semigelatinoso serve para sustentar seios e bumbuns derrubados pelos anos e pelo uso. Às vezes, mau uso. Em estado semi-sólido serve para sustentar com próteses órgãos, sim, órgãos derrotados, de forma que o usuário permaneça em estado de semiprontidão, semi-apto para qualquer semi-embate.

JOSUÉ R.S. MACHADO é jornalista, formado em línguas neolatinas pela PUC-SP. Colaborou em diversos jornais e revistas.

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