São Paulo, segunda-feira, 19 de junho de 1995
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Transição difícil para os sindicatos

FLORESTAN FERNANDES

Globalização da economia, produção automatizada e tecnoestruturas que estão ou serão criadas expõem o sindicalismo a duras provas. Os trabalhadores já sabem o que os espera. O baixo nível de qualificação técnico-profissional, a carência generalizada de escolarização de qualidade, a exploração extrema da força de trabalho, ao lado da quebra da solidariedade operária em escala nacional -decorrente da existência de um gangsterismo sindical submisso ao patronato e aos governos-, fomentam a reprodução de males arraigados.
Estes não podem ser anulados ou superados com rapidez, pelo menos com ritmos equivalentes aos da transformação das instituições-chave da sociedade. Burguesia internacional e capitalistas nativos encontram-se numa posição privilegiada de conflito.
Podem manter incólume ou multiplicar por mil seu monopólio de poder, pois formas de mando variavelmente opressivas serão preservadas pelas classes dominantes, acrescidas da bagagem de violência anti-sindical intrínseca à instauração e desenvolvimento do capital monopolista. Por isso, associadas, as duas burguesias dispõem de condições para determinar a política econômica e submeter o Estado a seus interesses.
O Estado, por sua vez, amolda-se à situação emergente com parcialidade espantosa, despojando-se do seu pretenso caráter ``nacional". Realiza uma façanha surpreendente com mobilidade inesperada. Aprendeu e coloca em prática, dentro da ordem estabelecida e sem fissuras alarmantes, a ideologia do neoliberalismo.
Apregoa seu afinco em enfrentar o ``social" como prioridade máxima. Contudo, desencadeia, com velocidade cada vez maior, iniciativas que favorecem os agrupamentos burgueses internos e externos. Objetivo: desinvestir da ``área prioritária" tudo o que estiver ao seu alcance, canalizando recursos e poder para o setor privado. A retórica esconde a centralização da riqueza coletiva a ser torrada na ``modernização" e, mesmo, a pulverização de suas funções clássicas.
Sob a égide desse modelo de Estado, os governos retiram-se -e o farão cada vez mais- da educação, saúde, assistência social aos desempregados e carentes e, ainda, da reciclagem dos expulsos do mercado de trabalho. Milhões de vítimas do processo constituirão uma subclasse, a dos párias do capitalismo oligopolista no seu apogeu.
Os trabalhadores correm o risco de entrar nessa fase de ``promessa e repressão" sem ter conseguido fazer do sindicalismo uma arma de luta sólida, inteligente e eficaz. As exigências históricas são demasiado complexas. No entanto, pelo menos a CUT e seus sindicatos, o PT e os demais partidos de esquerda, poderão forjar as bases de uma resistência capaz de evitar que tudo voe pelos ares.
Vivendo dois tempos coexistentes, um prestes a se esgotar e outro em ebulição, sindicalistas e trabalhadores mais decididos precisam lançar-se à luta por uma célere renovação de suas organizações. Terão de suplantar as mudanças em curso na esfera do capital oligopolista automatizado e do Estado. Essa parece ser a questão, se quiserem recusar o destino de substitutos de servos e párias.

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