São Paulo, segunda-feira, 19 de junho de 1995
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A fantástica carga tributária brasileira

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

Tenho lido, com preocupação, determinadas afirmações de autoridades respeitáveis sobre política tributária no país, visto que parecem estas mais empenhadas no aumento da arrecadação do que na viabilização de racional e adequada política tributária.
No domingo 11/6, publicou a Folha sério estudo da empresa Arthur Andersen, demonstrando que o Brasil (48,10%) lidera a corrida pela mais alta carga tributária na América Latina sobre as empresas, perdendo apenas, no mundo, para o Japão (59,9%) e para a Itália (52,25%), o que lhe garante, no momento, a medalha de bronze no pódio universal dos governos que mais arrecadam tributos de seu povo.
A grande diferença está em que os países medalhas de ``ouro" e ``prata" devolvem em serviços públicos o recolhido, enquanto que o Brasil gasta o dinheiro recebido para manter uma ciclópica Federação, com União, 26 Estados, Distrito Federal e 5.000 municípios, ou seja, para sustentar o custo político de 28 Judiciários, 5.000 Executivos e 120 mil legisladores, os quais consomem, no gasto pessoal e nas despesas próprias de manutenção do poder, o esforço tributário nacional.
Quando digo que a Federação não cabe no PIB, procuro mostrar que, mais do que de reforma tributária, o Brasil precisa de reforma fiscal, com contenção da dimensão do Estado e redução do tamanho da Federação, para que o governo caiba dentro da sociedade que o sustenta.
Para que se tenha idéia do nível dessa carga, a alíquota nominal máxima do Imposto de Renda, incluindo a contribuição social sobre o lucro, chega no país a quase 50%, quando na América Latina e Ásia é de aproximadamente 30%, e na América do Norte e Europa, pouco mais de 35%.
Por outro lado, no imposto circulatório (IPI e ICMS) no Brasil, a alíquota média é de 28,7%, enquanto na América do Norte é de 15,18%, na América Latina de 21,8% e na Ásia de 9,92%. O Japão, por exemplo, cujo peso da carga para Imposto de Renda é elevado, mantém um imposto circulatório baixo, em torno de 4,5%, com o que ganha competitividade interna e externa.
Com tributos tão maximizados, é de se compreender que temos pouco espaço para a competitividade interna com produtos estrangeiros (qualquer produto importado tem menor carga tributária que o produto brasileiro) e muito espaço para a sonegação, a qual, de rigor, em muitas áreas, infelizmente, pela irracionalidade do sistema tributário, é ato de sobrevivência.
Há necessidade, pois, de urgente revisão do sistema tributário e, mais urgente ainda, do tamanho do Estado, duas reformas essenciais que podem dar ao Brasil a condição de pole-position do desenvolvimento na virada do século.
Certamente, isto não ocorrerá se prevalece a tese do ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, cujo talento e idoneidade não desconheço, mas que propugna o aumento da carga tributária arrecadada de 26% para 30% do PIB, pela elevação das alíquotas, o que terminará recaindo sobre os que já pagam e retirando condições de competitividade das empresas nacionais.
No que concerne ao Mercosul, leva o país considerável desvantagem quanto a seus parceiros, cuja imposição tributária é muito menor, e esta desvantagem será ainda maior se se aceitar a tese bresseriana, visto que os 26% do PIB de ``tributos arrecadados" correspondem a, aproximadamente, 50% de ``tributos esculpidos na lei".
Ora, levando-se em consideração que o Estado quase não paga tributos e conforma, aproximadamente, 50% do PIB, hoje, a carga tributária sobre o Produto Privado Bruto (PPB) estaria em torno de 100%. Nos Estados Unidos, em que a sonegação gira pelos 20% sobre uma carga tributária de 33% sobre o PIB, a carga real, nas leis, é menor que no Brasil, por não atingir a 40%, enquanto no Brasil atinge quase 50% do PIB.
O caminho, portanto, não é o de aumentar ainda mais os tributos, o que elevará ainda mais a sonegação, mas reduzi-los e simplificá-los para que caia a sonegação e aumente a arrecadação.
Estou convencido de que o correto caminho de uma reforma fiscal adequada passa, necessariamente, a) pela redução do tamanho da Federação e do Estado; b) simplificação do sistema tributário, para diminuir os custos das empresas e do governo e facilitar a fiscalização; c) redução da carga tributária nas leis, para que se evite a sonegação e se aumente a arrecadação.
Este é, aliás, o caminho sugerido na década de 60 pela ``Royal Comission on Taxation" do Canadá, que considerou que a ``justiça final" e o ``desenvolvimento econômico" compõem o verdadeiro objeto de uma eficaz política fiscal, sendo o aumento de arrecadação mera decorrência.
Que o Brasil trilhe o caminho da racionalidade tributária é o que todos desejam, e não o da ilogicidade, em que os furos orçamentários são apenas cobertos pelos aumentos de alíquota. Aumentar os tributos para aumentar a arrecadação é sugestão que qualquer brasileiro, sem qualquer tipo de formação acadêmica, pode dar. De alguém com atributos para reger um ministério espera-se mais criatividade.

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