São Paulo, segunda-feira, 19 de junho de 1995
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Sem futuro

JOSÉ CARLOS DE ALMEIDA AZEVEDO

A comparação de sistemas educacionais de diferentes países impõe observações preliminares e, no caso de cursos superiores, no Brasil e nos EUA, ela é mais difícil porque os EUA mantêm a saudável tradição das seletivas escolas de artes liberais (``liberal arts colleges" que, se existissem entre nós, seriam escolas de humanidades) situadas entre as melhores daquela nação. Entretanto, sendo as nossas universidades, por lei e autoproclamação, de ensino e pesquisa, deve-se compará-las às congêneres daquele país, colonizado mais de um século depois do nosso.
No rol das 25 melhores dessas universidades norte-americanas (ver ``America's Best Colleges", U.S. News, 1992), apenas cinco são públicas: a da Califórnia, em 16º lugar, e as que estão no 21º, 22º, 23º e o último lugares. Todas são pagas e as anuidades, por nove meses e excluído o verão, variavam de 22 mil a 107 mil dólares, que contribuem para a parcela menor do orçamento dessas instituições, que nunca fecham as portas aos estudantes competentes que não possam pagá-las; ao contrário, disputam os mais capazes.
Elas enfatizam a pesquisa e contribuem enormemente para o progresso e bem-estar dos EUA, sobressaindo-se o MIT, Instituto Tecnológico de Massachusetts, universidade particular, responsável, há muito, pela maior fatia das patentes das universidades norte-americanas, cerca de cem por ano.
Sua biblioteca tem 2,3 milhões de livros, 2 milhões de microformas, incríveis recursos computacionais e vários laboratórios nacionais e observatórios astronômicos; assina uns 21 mil periódicos especializados e possui uma das maiores editoras do país.
Segundo o relatório de seu presidente, relativo ao período junho/93-junho/94, o MIT operou com um orçamento de US$ 1,137 bilhão, do qual 17% são originários das anuidades estudantis. A maior parte do restante, 61%, vem do resultado de pesquisas feitas por seu corpo docente, o resto vem de doações, operações financeiras etc.
Segundo o relatório, há hoje no MIT 608 professores titulares, 164 associados (adjuntos) e 182 assistentes, ao lado de uma pletora de auxiliares de ensino, instrutores e outros que não integram o corpo docente, muitos não são remunerados e outros o são, até para pagar, com trabalho, a anuidade. Entre os professores, há 11 prêmios Nobel, 98 membros da Academia Nacional de Ciências, 209 da Academia de Artes e Ciências e outros das mais renomadas instituições internacionais.
O salário mais alto pago no MIT, para os titulares, entre eles os prêmios Nobel, é de US$ 90 mil anuais, ou seja US$ 7,5 mil por mês, uns R$ 6.700, menos do que, diz o MEC, pagam algumas fundações universitárias federais. Uma delas pagaria R$ 12 mil, e até haveria sábios professores que recebem muito mais. Quanto a estudantes, o MIT tinha 9.774, dos quais 5.302 eram de pós-graduação; tem, portanto, metade dos professores da UnB para o mesmo número de alunos, mas há outras muitíssimo piores que essa universidade brasileira.
Não haveria espaço em jornal para relacionar as contribuições do MIT para o desenvolvimento; basta citar a síntese química da penicilina e da vitamina A, o sistema de navegação inercial, a localização do gene responsável pela distrofia muscular miotômica, a moderna técnica de medição de distâncias das galáxias e o desenvolvimento de fibra ótica que aumentará substancialmente a velocidades de processamento.
Por ser uma das melhores instituições de pesquisa do mundo, seria mais difícil relacionar as contribuições para o desenvolvimento cultural; assinalo apenas a comprovação da existência do último constituinte da matéria, o quark, feita pelo prêmio Nobel J. Friedman.
Tudo ``marola", dirão sapientíssimos burocratas, bonzos e manigrepos da alta ciência e cultura, que ressonam em seus refrigerados pagodes governamentais: prêmios Nobel, quarks, galáxias, neutrinos -tudo frescura e autopromoção de cientistas malucos. Mas apesar da dificuldade de estimar o retorno econômico do investimento em pesquisa em universidades, estudo recente do economista Edwin Mansfield, da Universidade da Pennsylvania, revela ser esse um dos melhores retornos, 25% a 30% ao ano, ao menos nos EUA, onde pagam uns 3% ao ano por depósito bancário e emprestam a pouco mais do que isso.
O relatório citado menciona que, apenas em 1989, os trabalhos realizados pelo MIT geraram 630 novas companhias e 200 mil empregos no Estado de Massachusetts (menor que Alagoas) e um volume de vendas da ordem de US$ 40 bilhões.
Limitando-me à área da física, o recente, competentíssimo e hilariante livro de Leon Lederman (``The God Particle", em português, ``A Partícula de Deus", história da busca do que seria o último constituinte da matéria, o chamado boson de Higgs, surgido na criação do universo). Lederman, prêmio Nobel de física de 1988, pela comprovação da existência de determinadas partículas chamadas leptons, menciona estudos que comprovam que as consequências práticas da teoria dos quanta contribuem atualmente com 25% do PNB das nações desenvolvidas, o que equivale a muitíssimas e muitíssimas vezes mais que o PIB brasileiro, que deve ser de menos de 1% do mundial.
Afinal, que esperar de um país como o nosso que desdenha da educação, ridiculariza o saber e enaltece o trambique, a farsa e o mau caráter?

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