São Paulo, terça-feira, 20 de junho de 1995
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Será milagre?

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA - Em conversa ontem com esta coluna, o secretário da Receita, Everardo Maciel, disse que estava surpreso. ``Levei um susto", comentou.
Os números da arrecadação totalizam R$ 3,1 bilhões na primeira quinzena deste mês. Traduzindo: 60% a mais do que o mesmo período do ano anterior. Só pode ser milagre. Explico.
Numa calculada venda do caos, o baronato e seus lobistas têm martelado todos os dias que o Brasil está em recessão -o entusiasmo no Congresso pelo tabelamento dos juros em 12% ao ano é uma das facetas desse movimento.
Se estivermos mesmo no caos, o crescimento de impostos só pode mesmo ser milagre. Lembre-se que, em maio, a arrecadação bateu recorde histórico de R$ 8,2 bilhões. ``Há vários fatores para entender esses números, mas o principal é o aquecimento da economia", analisa Maciel.
É mais uma dica valiosa para o leitor não cair na ofensiva de informações truncadas de segmentos do empresariado, objetivando concessões oficiais. Os milagres não param aí. Apesar da ``recessão", empresas de alimentos não têm sequer estoque para enfrentar o aumento de consumo.
Mais milagre. Crescem exportações e importações. Deve ser um fenômeno paranormal da economia brasileira: todos os meses vende-se mais do que nos mesmos períodos do ano passado.
Ironias à parte, o leitor tem o direito de perguntar: toda essa gritaria do empresariado é invenção? Não. Há indícios de desaquecimento. Mas o leitor deve desconfiar da choradeira transmitida em tom histérico pelo chamado ``mercado", onde o jogo de informações é um produto comercial. Exagerar é uma velha tática para sensibilizar.
O leitor deve desconfiar dos empresários como deve desconfiar dos governantes políticos que, a exemplo dos empresários, manipulam, inventam, exageram e choram como tática. É típico dos governantes criar bodes expiatórios, torcer números, apresentarem-se melhor do que são.
PS - Aliás, o bom leitor deve começar desconfiando de nós jornalistas para saber se preferências por pessoas ou partidos, amizades, ideologias, vinculações empresariais, fontes de renda não interferem na isenção da informação.

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